Por EloInsights
EloGroup completa 15 anos e seus cofundadores refletem sobre as transformações nesse período.
André Macieira e Rafael Clemente falam sobre as mudanças no mercado de consultoria, a evolução da empresa, além de impactos da pandemia.
E também sobre as tendências de tecnologia e de negócios com potencial de transformar a sociedade e a indústria nos próximos anos
A EloGroup comemora neste 18 de janeiro de 2022 um importante marco em sua trajetória: são 15 anos de operação desde que foi fundada, no verão de 2007. De lá pra cá, foram mais de 2 mil projetos executados para mais de 300 clientes, entre eles as maiores e mais importantes empresas da economia brasileira. Foram 15 anos de muitos aprendizados, de mão na massa e crescimento, tanto para a EloGroup quanto para os talentos que participaram dessa história.
Para comentar um pouco a trajetória da empresa, mas principalmente para compartilhar insights e aprendizados acumulados ao longo dos anos, os cofundadores André Macieira, diretor-executivo, e Rafael Clemente, CEO da EloGroup, conversaram com a redação de EloInsights para essa entrevista especial. Eles falam sobre as mudanças enfrentadas pelo mercado de consultoria nessa última década e meia, sobre como isso impactou o jeito EloGroup de trabalhar, e como a empresa se transformou e evoluiu ao longo do tempo, junto aos seus colaboradores.
Os dois refletem sobre os novos códigos culturais que revolucionam o paradigma dos negócios, e ainda sobre o impacto da pandemia da Covid-19 e as melhores formas de atrair e reter talentos em um ambiente altamente competitivo e instável. Confira:
Como vocês enxergam as principais mudanças no mercado de consultoria nos últimos 15 anos?
Rafael Clemente: Há 15 anos você tinha menos mudança de pessoas nas empresas. Havia uma cultura de permanecer mais tempo. Com isso, você tinha uma maior assimetria de conhecimento entre as consultorias e as pessoas de uma empresa. Então, se a consultoria trouxesse as melhores práticas, você já gerava um valor muito grande.
Ao longo do tempo houve uma mudança grande de disponibilidade, de informação e de fluidez de pessoas entre as várias empresas. Por outro lado, aumentou muito a velocidade de mudança. Então, a gente enxerga que cada vez mais o papel da consultoria muda do especialista, do guru que vai ter todas as respostas, para um muito mais generalista, que precisa aprender rápido sobre uma determinada situação e construir aquela transformação junto ao cliente.
No nosso caso, combinando as competências de tecnologia, analytics e gestão, que é o que a gente tem chamado de TAM. E não é simplesmente você fazer uma consultoria de negócio e depois desdobrar aquilo numa implantação de tecnologia. É você conseguir combinar essas competências para ter um olhar digital para os problemas daquela empresa e conseguir trazer naturalmente novas soluções para essa realidade.
André Macieira: Outra migração que houve na indústria é que antes havia uma separação muito clara entre quem fazia o design da solução e quem fazia o delivery da solução. Tinha uma consultoria que faria uma estratégia com olhar de cinco anos. Depois entraria uma segunda consultoria que estava em outro nível e ia fazer um detalhamento em desenhar as soluções. E a terceira implementaria isso, em termos de tecnologia. Agora é cada vez mais comum a contração da mesma empresa para fazer o design de uma solução e o delivery, de forma integrada. A junção dos projetos de design e delivery é, claramente, uma grande avenida de valor pra gente e de demanda no mercado para os próximos dez anos.
O que mudou no jeito da EloGroup de fazer consultoria nos últimos 15 anos e o que não mudou?
André Macieira: A gente sempre atuou sob um conjunto de princípios. E o que mudou é a nossa interpretação sobre a aplicação dessas alavancas. Primeiro: a capacidade de olhar e resolver um problema sob a perspectiva de múltiplos repertórios. Isso sempre teve significados diferentes.
No passado, significava o seguinte: era um projeto de estratégia e tinha consultoria que só fazia BSC [balanced scorecard, popular ferramenta de gerenciamento de estratégia]. E a gente era uma consultoria que fazia o projeto de BSC, mas também conhecia outras cinco ou seis abordagens e repertórios para além do BSC para fins de discutir o que é planejamento estratégico. E isso vem lá da nossa origem, da universidade. Antes existiam processos e a gente olhava os processos sob cinco abordagens diferentes de transformação operacional.
A gente migrou disso para consultoria. Então, os nossos projetos não eram mais de processos, mas eram listas de processos, com design organizacional, com estratégia, com um olhar de recompensa, indicadores, etc. Agora, cada vez mais inclui-se as disciplinas técnicas em relação a isso. Então, a lógica de olhar um problema e resolvê-los sob múltiplos repertórios, sai de uma escola de BPM [business process management] para várias escolas de gestão, tecnologia e analytics, mas é sempre o princípio, o que muda é a amplitude de repertórios que a gente usa para resolver aquela equação.
Outra coisa é a mão na massa, que aprende e faz junto. A gente achava que a pessoa tinha que ter tanta mão na massa que resolveria tudo. Agora, a abordagem é menos herói, – a pessoa não precisa aprender tudo, a ponto de resolver tudo sozinha, mas ela precisa aprender a ponto de resolver com o seu grupo de colegas nas suas especialidades. A terceira dimensão é a coisa de ser “dono da empresa”, que acho que faz parte desde o dia um. Antes, todo mundo defendia, marcava, trazia água pro campo… Agora, com ascensão da estrutura corporativa, você tem uma definição mais claras de papéis e atribuições.
Então, há 10 anos, o consultor fazia o projeto, olhava uma ponta do marketing, um pouco do financeiro, fazia processo seletivo. Cada vez mais o “ser dono” não é criar nas pessoas a expectativa de que têm que olhar tudo isso, mas elas, dentro da sua função, do seu projeto, devem ser donas e entender que há outras pessoas olhando as outras partes para que elas confluam.
Rafael Clemente: Quando começamos, éramos quatro empreendedores de 25 anos entrando em um mercado de consultoria dominado por grandes empresas internacionais e com muito nome. Um mercado onde reputação é o principal ativo que uma companhia tem. Então, a gente foi obrigado a fazer diferente. E acho que isso construiu todo o DNA do nosso jeito de ser.
Esse DNA tem alguns traços principais. O primeiro é uma obsessão pelo cliente, onde a gente sempre esteve muito próximo, acreditou que as principais pessoas da empresa, todas as lideranças deveriam estar muito voltadas à conta, estar resolvendo esses problemas. Segundo, a gente nunca acreditou em soluções de prateleira. A gente sempre buscou construir com muita robustez metodológica, e o nosso background acadêmico anterior ajudou muito nisso. E o terceiro é que isso tudo só seria possível se a gente conseguisse atrair e formar muitos talentos.
Então a gente foi sempre trazendo essas pessoas e fazendo com que elas tivessem a mesma experiência de empreendedor que nós tivemos. Esses três traços continuam muito presentes em tudo o que a gente faz hoje. O que mudou é que, lá atrás, a gente fazia isso quase com uma cara de startup, em que todo mundo tinha que ir lá e meter a mão. Ao mesmo tempo em que você estava resolvendo o problema de um cliente, você precisava cuidar de uma questão administrativa.
Hoje, a gente faz isso numa escala muito mais potencializada. Então a gente é capaz de aglutinar mais competências, de compartilhar melhor o conhecimento e a nossa experiência. Ou seja, com mais cumulatividade nas coisas e conseguindo ter toda uma estrutura administrativa para permitir que os consultores fiquem, de fato, muito focados na ponta, na solução.
Acho que uma outra diferença é que a gente sempre foi uma consultoria de gestão. E hoje a gente não acredita mais numa consultoria só de gestão. Hoje toda a nossa abordagem está apontando muito para o TAM. Que é combinar as competências de tecnologia, analytics e management.
Como vocês viram mudar as principais dores das empresas nesses anos?
Rafael Clemente: No início da empresa, você tinha uma dor muito grande ali, em 2007, em torno da discussão de processos, de estabilização e melhoria de processos da empresa. E uma dor muito grande, que foi próximo daquele escândalo da Enron [gigante americana do setor de energia] de balanço, que tinha uma demanda muito grande por implantação de riscos operacionais.
Então, a SOX [lei Sarbanes-Oxley], uma regulamentação americana que todas as empresas listadas em bolsa tinham que seguir, a 3380 aqui no Brasil, que as instituições financeiras tinham que seguir. No início da Elo a gente surfou muito essa onda. Existia ainda um paradigma muito grande de eficiência operacional.
A gente, com o tempo, viu que as empresas começaram a ter muitos desafios também ligados a toda parte de inovação. Então, a gente começou a atuar fortemente suportando nossos clientes nisso, a pensar novos produtos, novos modelos de negócio… a institucionalizar uma competência de como fazer inovação internamente.
Emergiu muito forte a discussão toda de experiência do cliente, como você cuida melhor do seu cliente, como você entrega uma jornada mais fluida em todos os canais. A lógica de digitalização, de vendas, a parte de canais online. Então a gente também viu muito aí toda essa parte ligada à digitalização e a uma onda que está muito forte hoje, de transformação digital.
André Macieira: Sobre as dores e oportunidade de ESG, o mundo passa por uma reflexão sobre qual é o papel das empresas no cuidado com o planeta, em especial num contexto em que muitas empresas são mais poderosas que governos.
Se antes era papel da empresa dar retorno em termos de lucro, carreira e desenvolvimento a seus acionistas e funcionários, cada vez mais há pressão para que elas cuidem do mundo como um todo. E isso vai incluir todo tipo de problema socioambiental, que muitas vezes está conectado, em especial no Brasil, a como cuido da comunidade próxima. Por um lado, isso é excelente porque você tira apenas do público o papel de cuidar dos problemas públicos e divide isso com as empresas.
E para as empresas acho que é um grande desafio porque elas têm que fazer por bem, porque elas acreditam no seu papel de cuidar dos problemas públicos; ou por mal, pois se elas não se preocuparem com essas questões, a marca delas vai lá embaixo e isso vai afetar o próprio valor da ação dela e ela não consegue cumprir o objetivo principal de remunerar o acionista. Lidar com essa adição no papel de uma empresa em cuidar de problemas públicos e não só de seus problemas privados, claramente, é uma enorme dor que vai ser pensada e discutida nos próximos 10, 15 anos.
Qual o balanço que vocês fazem desses últimos 15 anos, pensando em principais conquistas obtidas até aqui pela EloGroup. E o que vocês enxergam como principais objetivos para os próximos 15 anos?
André Macieira: A gente criou a Elo como um lugar no qual a gente queria trabalhar. Que nos permitisse exercitar ao máximo a nossa demanda de aprender, de mudar o nosso entorno, que é o DNA de empreender, dentro de um contexto leve, criativo, que permitisse experimentar e inovar. Acho que a gente teve uma conquista enorme em construir uma casa que permite que as pessoas se desenvolvam, experimentem, cresçam, consigam ter tanto um maior repertório técnico, quanto um maior repertório político para se comportar, para entender, pra conversar, para fazer parte de uma dinâmica empresarial.
Acho que isso é uma enorme vitória, de ser um lugar muito legal para as pessoas começarem sua carreira e darem um salto de maturidade técnica e pessoal e se prepararem para dar seus próximos ciclos aqui dentro, ou para suas jornadas. Em especial, com tecnologia, analytics, todo esse contexto.
Outro ponto é em termos de tamanho alcançado. A gente sempre teve uma consciência de que o tamanho da empresa em dinheiro, capacidade de investimento, faturamento, projetos, sempre foi próximo do quanto a gente poderia impactar as organizações. O tamanho te permite ter competências diferentes que viabilizam projetos mais complexos que exigem esse conjunto de competências.
Então o potencial que o tamanho gera é a segunda vitória enorme. Seja de EBTIDA, de faturamento, de quantidade de pessoas, de projetos, de diversidade de áreas e de expertise acumuladas. É uma vitória enorme, ao final desse processo, ter chegado a um lugar de respeito e com grande potencial de gerar impacto.
Rafael Clemente: Quando você começa uma empresa do zero, tem alguns marcos. O primeiro é o momento zero, onde você não sabe se aquilo vai dar certo, até o momento em que você vira a chave para falar: “Bom, somos uma empresa, estamos aqui, sobrevivemos”. E a gente conseguiu rapidamente chegar nesse momento. E isso começa a te permitir pensar em novos investimentos, próximos passos. Assim, você sai daquele momento de sobrevivência.
Depois, tem um momento de grande crescimento, em que você está descobrindo quem é. No que a gente é bom, quais os nossos diferenciais, o que é a nossa proposta de valor que de fato o mercado mais gosta, mais acredita, mais está comprando etc. E você tem ainda um momento em que precisa operar e entender que é agora uma empresa grande, com tamanho relevante, e precisa amadurecer várias das suas práticas de gestão, várias das suas práticas de gestão de pessoas, questões práticas de compartilhamento de conhecimento, etc.
Então acho que a gente está num momento, hoje, muito interessante, em que tem a musculatura de uma empresa grande, que consegue muita energia para colocar suas metas para acontecer. Mas como somos uma empresa ainda relativamente jovem, a gente conseguiu manter muito acesa essa veia, essa chama, esse DNA empreendedor. Uma velocidade, uma energia de startup, mas, ao mesmo tempo, com uma musculatura de uma empresa do nosso tamanho.
Se você olhar, hoje um percentual bastante relevante de empresas listadas na B3 são nossas clientes. Hoje as empresas mais relevantes do Brasil são nossas clientes. E, olhando para dentro, hoje somos 25 sócios. A gente conseguiu fazer com que vários desses talentos crescessem na empresa. Olhando para frente, a gente precisa continuar a aprender e ver o que está acontecendo de ponta no desafio das empresas para continuar relevante. Continuar formando talentos e fazendo desses talentos sócios-empreendedores da empresa para que possa continuar com um crescimento na mesma velocidade.
O que vocês sentem que aprenderam nesses 15 anos em relação ao cuidado que uma empresa deve ter com seus colaboradores? O que esses anos ensinaram à EloGroup sobre ser uma plataforma de talentos?
Rafael Clemente: A gente sempre pensa muito em como desenhar a empresa para que ela esteja a serviço de fazer com que os profissionais alcancem seus potenciais máximos. E isso, inclusive, deriva do nosso propósito – que é destravar o potencial. Temos uma série de práticas, mas, em especial, questionamos como a gente desafia esse profissional. Gente boa gosta de ser colocada em problemas grandes porque assim ela se desenvolve mais.
A gente sempre fala que o nosso desafio do lado de fora tem que ser tão grande que a única chance de vencê-lo tem que ser todo mundo colaborando para poder resolver. Estamos sempre construindo metas e tendo metas muito ambiciosas que possam desafiar as pessoas. A gente cria mecanismos para as pessoas aprenderem muito rápido.
Todo mundo quer ser recompensado e não só financeiramente, mas com crescimento e reconhecimento à altura do que está fazendo. Não à toa temos um programa de partnership em que a gente brinca que pedir para as pessoas terem cabeça de dono é fácil. O que a maior parte das empresas não faz é que as pessoas tenham cabeça e bolso de dono também.
André Macieira: Outra coisa que a gente sempre sofreu foi com as diferenças do que eram as matrizes de incentivo para RH ao longo de cada ano. A gente via as pessoas saírem porque estavam com stock options enormes da empresa, ou porque o título do cargo da outra empresa era muito relevante e a pessoa estava buscando aquele título. Ou porque tinha um fixo alto e um variável alto – ou, no ano seguinte, porque tinha um fixo baixo e um variável alto…
As políticas de RH têm as suas dinâmicas anuais, mas os seus efeitos serão vistos em três, quatro, cinco anos. Como de fato é a matriz de incentivos, como é a convergência de gestão de stock option, o impacto do título na trajetória da carreira de alguém. Então, acho que a segunda coisa foi acreditar mais naquilo que a gente acha fundamental do nosso negócio, dentro da ótica que o Rafa trouxe de ajudar as pessoas a destravarem o seu potencial e dar base a nossas forças.
Acho que o segundo aprendizado é se ater a nossos valores e nossa força. Claro, aprender com o que os outros fazem diferente, mas sem ficar escutando ruído e, a cada ano, achar que está fazendo errado porque naquela conjuntura mudou o que se defendia para fazer aquela atração instantânea de gente, que não é sustentável no médio e longo prazo ou que sequer é verdade em sua essência.
Vocês podem compartilhar alguns aprendizados importantes que tiveram sobre como manter relacionamentos de alto nível com parceiros e clientes, ao longo de tanto tempo – tendo em vista que são as maiores empresas do Brasil no rol de clientes?
André Macieira: Você ganha confiança da outra parte a partir do momento em que ela sente que você tem um repertório técnico suficiente para lidar com o desafio dela. E acho que isso é importante muitas vezes para que não exista uma confusão entre ler um blog com uma matéria de um assunto e você, de fato, passar a dominar aquele assunto nas suas particularidades.
Você tem duas formas de aprender: com suas experiências ou com as experiências dos outros. A busca pela leitura, pelo conhecimento sempre foi a forma de acelerar o seu aprendizado; você passa a aprender com a experiência dos outros. Então, repertório técnico sempre foi uma engrenagem fundamental. Mesmo com nossos 25, 28 anos havia um domínio do repertório para aqueles desafios. E quando não tinha o domínio, o cliente percebia que a gente aprendia rapidamente a ponto de corrigir o projeto ao longo da sua execução.
A gente sempre procurou ser sincero em relação a “isso aqui dominamos, isso aqui vai ser a primeira vez com vocês, mas vamos aprender rápido o suficiente para entregar com um nível de confiança técnica proporcional à complexidade do desafio”.
Outro ponto é quando você está num lugar de venda, quando você passou do ano um e passou a externalizar confiança, você sempre se confunde entre qual é a essência do problema do cliente e do que ele precisa. E qual o projeto que você gostaria de fazer, os temas que você gostaria de explicitar. E com o escopo que te permite vender mais.
Inconsciente ou conscientemente, você fica lidando com essas três dimensões: o que precisa, o que tecnicamente seria o diferente e valeria a pena exercitar, e o que dá um ticket médio alto e aumenta faturamento. Acho que muitas consultorias têm uma calibragem muito forte para o lado três, que é como se dobra faturamento.
Nossa postura é mais para o um. O cliente vê que a gente vai advogar contra o nosso próprio interesse, seja por levar o projeto para um lugar no qual a gente não é forte, seja para levar o projeto a um lugar em que vai reduzir o ticket médio abrindo mão inclusive de vendas. E uma grande força nossa, num nível de venda, é que as nossas relações de longo prazo olham para gente e falam “esses caras são justos e corretos”. Em primeiro lugar está a necessidade, a dor, a demanda. Acho que isso é uma grande força ética nossa, de defender valores em que a gente acredita.
Rafael Clemente: No início da Elo, a gente buscava uma oportunidade muito pequena de conseguir entrar naquele cliente e mostrar o trabalho que a gente entregava. Então, a nossa orientação sempre foi para ajudar aquele cliente, independentemente de qualquer visão de curto prazo, de margem, de retorno, de quanto você podia cobrar. A gente sempre acreditou em resolver o problema do cliente, em estar genuinamente interessado em fazer aquilo que é melhor para ele.
Exemplo: é muito comum em consultoria, quando um cliente pede alguma coisa, ao longo do contrato, você cobrar a mais porque determinada coisa não estava no contrato ou no escopo. A gente dificilmente faz isso. Sabemos que quando ele pede alguma coisa, se está pedindo ajuda, ele não sabe exatamente do que precisa.
Então sempre fomos com uma cabeça de fazer ali o que era mais relevante, mais importante, o que o cliente realmente precisava. Porque isso constrói uma relação de trusted advisor. Nosso crescimento foi muito pautado nisso, porque esse cliente, por confiar muito em você, te indica para outros colegas executivos. Pessoas daquele cliente saem e quando elas vão para outras empresas, elas também te contratam em outras empresas.
No fundo, estar próximo ao cliente e estar genuinamente querendo apoiá-lo em superar o seu desafio, é a melhor estratégia que uma consultoria pode ter.
Como foi para a EloGroup o período que estamos passando de pandemia, dos últimos dois anos? Houve uma aceleração de transformação, considerando esse contexto de 15 anos?
Rafael Clemente: Olho isso de duas perspectivas: a primeira é sobre a transformação externa, dos clientes da Elo. A gente viu que, quando você não tem alternativa, a transformação não é uma opção. Ela precisa ser feita de qualquer maneira. Boa parte das empresas acelerou muito a sua pauta, sua discussão de transformação digital, simplesmente porque não tinha opção. Ou fazia isso, ou morria. Estaria fora do mercado. E isso acontece também na forma de trabalhar, com trabalho remoto, processos precisando acontecer sem as interações físicas etc.
Então isso mexeu muito na forma como as empresas se organizam internamente. E também mexeu muito na forma como as empresas se estruturam para fora. Como usam canais de atendimento, de venda etc. Então hoje a gente está envolvido em várias transformações que foram muito catalisadas por esses anos da pandemia.
Falando internamente da Elo, a gente conseguiu fazer com que mais pessoas trabalhassem juntas. Agora não faz diferença se você é do escritório de SP, BH ou Brasília. Misturamos muito as equipes e isso foi muito bom do ponto de vista de colaboração e de fortalecimento de uma cultura única da empresa.
A pandemia nos permitiu eliminar um aspecto que sempre é muito ruim do consultor, que são as inúmeras viagens. Por outro lado, foi um momento que gerou muito estresse nas pessoas, um excesso de produtividade com muitas reuniões, uma atrás da outra, e tudo online. Fora todo o momento de ansiedade, de dificuldade para saúde mental, seja por ter pessoas próximas doentes ou com a perda dessas pessoas.
Como vocês enxergam, neste contexto todo, o papel da alta liderança de uma empresa?
Rafael Clemente: A gente tem alguns vetores de mudança no papel de CEO. O primeiro é relacionado à transformação digital. Essa pessoa precisa buscar aprender muito sobre esse tema, porque se continuar tratando tecnologia como meio, dando soluções de gestão para as coisas, pegando essas soluções e passando para a área de tecnologia implementar aquilo, essas serão soluções subótimas.
CEOs e C-levels precisam começar a trazer a tecnologia como uma lente. O primeiro grande desafio é como a alta liderança começa a ter esse olhar digital. O segundo, é que a gente está passando por uma disrupção cultural e, em geral, CEOs são de uma geração que tem um olhar muito diferente do da nova geração, em especial a Z. Então, se não entender e não olhar para os desafios do mundo e para os da empresa a partir da ótica das novas gerações e, naturalmente, chegar a uma combinação do que é o melhor culturalmente, será muito difícil atrair talentos e dialogar com todo esse novo mundo.
Então acho que esse segundo grande desafio está em ter muita empatia, além de um olhar mais humano para lidar com essa disrupção cultural. O terceiro ponto é que, hoje, os problemas da empresa, ou os objetivos da empresa não estão mais unicamente direcionados a dar retorno a seus acionistas, por isso toda discussão de ESG e impacto vem muito forte. São esses os vetores principais.
André Macieira: Dentro do contexto público, o grande drama é que o cenário orçamentário é muito ruim. Você tem cada vez mais um custo enorme com a burocracia, em especial, tem uma tendência de ter custos maiores com políticas públicas de saúde com envelhecimento da população.
Então, a grande dificuldade é, de fato, como se redesenha política pública baseada em novas tecnologias. Quando a gente usa esse termo no privado, é acelerar. No público, é começar. O grande desafio das lideranças é repensar inúmeros aspectos: como faço acompanhamento de pais e alunos na educação; como eu faço um desafio de monitorar uma fazenda, uma produção bovina com imagens de satélite; como, de fato, eu consigo gerenciar melhor as chances de um aluno ter uma evasão, ou uma gestante ter um bebê; para que cada vez eu consiga chegar em mais pessoas com menor custo.
Então, a gente começou a ver isso, mas agora, nas eleições, a discussão de tecnologia vai fazer cada vez mais parte da agenda política, porque ela é primordial para a conta fechar e a gente conseguir, de fato, não sacrificar o lado econômico para sustentar as políticas sociais.
Entrando um pouco mais na questão ESG, hoje o mundo dos negócios vê a entrada desse importante tema. Como vocês comparam o cenário atual ao de 15 anos atrás nesse aspecto?
André Macieira: Há 15 anos, o que se fazia era filantropia. Então você tinha uma empresa que exercia algum tipo de doação, muito comumente para educação, talvez um pouco para cultura ou hospital filantrópico. O coração desse debate era a doação, a filantropia, era exercer o papel de doar para trazer esse retorno social.
Dez anos atrás, o que botou força foi toda lógica ambiental, mas um ambiental próximo. No caso de uma grande empresa, a convivência dela com a cidade é fundamental para manter a sua atividade. Então, sempre houve uma enorme preocupação com aquela comunidade – e também era muito ligada a doações. Era um tipo de capital que não mudava a história daquela cidade, mas tinha um excelente papel de azeitar a relação entre o corpo industrial que estava ali e a população local.
Nos últimos anos, temos uma ótica de “o meu papel não é mais só fazer a doação e cuidar da comunidade, mas é de fato ajudar aquela esfera pública e aquela região a se desenvolver”. Então, você tem preocupações em como gerar desenvolvimento econômico em uma cidade na qual o commodity que está ali vai acabar em alguns anos, por exemplo. Como eu desenvolvo a população que está ali dentro. Como ajudo a cidade a desenvolver sua atividade de turismo, pesqueira, etc.
Outra coisa é que essa dimensão da atuação com o social sempre esteve desconectada do mainstream da empresa, era quase como se fossem dois mundos separados. E, cada vez mais, a questão é como uso as alavancas da empresa para causar impacto socioambiental e econômico. Você traz o problema público para a essência do seu negócio.
Quais tendências de tecnologia e de negócios vocês veem com potencial de transformar a sociedade e a indústria nos próximos 15 anos?
André Macieira: Para os governos, o que é relevante é entregar políticas públicas de forma simplificada, por meio de aplicativos de mensageria instantânea, como o WhatsApp. A população tem pouco acesso, muitas vezes apenas um celular barato com conectividade em locais públicos. Então, entregar serviço público via apps de mensagem pode gerar uma revolução para a população.
Rafael Clemente: A gente está passando por um momento em que há muita coisa mudando, ligado a novas formas de descentralizar: blockchain, NFTs, o metaverso… Acredito que vai haver um vetor de descentralização importante via cadeias de blockchain. Segundo, existe um shift grande em que todas as tecnologias digitais estão mudando um pouco a força das instituições em direção aos indivíduos, criando toda uma creator economy. São alguns vetores de mudança aos quais as empresas terão que se adaptar.