Por EloInsights
- No mês em que reforçamos a importância da conquista de direitos pelas mulheres, conversamos com Lays Lobato, sócia-diretora da EloGroup.
- Para ela, as ações ESG são fundamentais para promover diversidade e mudar a estrutura das organizações para que acompanhem a complexidade do mundo atual.
- A gestora também falou sobre desafios na carreira: do combate ao assédio ao fortalecimento entre as mulheres para transformar realidades.
O ano é 2022, mas precisamos reafirmar o debate sobre representatividade das mulheres em espaços de poder. Segundo projeção do Fórum Econômico Mundial, a igualdade de participação entre homens e mulheres na economia, na política e na educação no mundo só será atingida em 135 anos. Dentro do universo corporativo, somente 38% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, aponta pesquisa da Grant Thornton feita com 250 empresas. O Brasil fica atrás de países como África do Sul, Turquia e Malásia. Ainda há muito para avançar.
“Devemos discutir a cultura de parentalidade, por exemplo, para induzir a equidade de genêro, além de novas construções sociais e de referências para meninos e meninas. Me incomoda muito a visão de cuidadora obrigatória, que recebemos por sermos mulheres; nos coloca em uma posição limitada de atuação”, diz Lays Lobato, sócia-diretora da EloGroup.
Segundo dados do IBGE, os serviços não remunerados da chamada “economia do cuidado”, que incluem tarefas como criação dos filhos e afazeres domésticos – e que, na esmagadora maioria das vezes, ficam a cargo de mulheres – equivalem a 11% do PIB brasileiro. Com a pandemia, essa questão ficou ainda mais latente, e vai muito além de ser só mais um desafio para a construção de uma reconhecida carreira profissional.
Nesse sentido, ESG já é um imperativo para as organizações e uma alavanca para sustentar valor a longo prazo. É também fundamental para mitigar as desigualdades e ajudar a construir condutas mais coerentes com a complexidade do mundo atual. No mês em que lembramos várias lutas das mulheres, conversamos com a Lays Lobato, sobre sua trajetória e evolução como liderança dentro do contexto de valorização de práticas ligadas ao meio ambiente, questões sociais e de governança. Confira:
Pode nos contar como começou o seu envolvimento com as temáticas de ESG? Quais aspectos dessa temática mais te atraíram e ainda atraem?
Não existe a figura da profissional separada da figura da filha, da mãe, da amiga, e assim por diante. E, por outro lado, não somos apenas a soma de personas internas. Estamos também interconectados às pessoas que amamos. E isso vai moldando nossa forma de ver o mundo. No meu contexto familiar, meus pais são de origem humilde. Minha mãe foi da primeira geração a ter acesso à educação formal e a única de nove irmãos a cursar uma universidade. É claro que isso contribuiu decisivamente para a minha atenção e o meu olhar para a agenda social.
Fiz Sebrae [colégio que congrega ensino médio com curso técnico], então tive a oportunidade de começar a trabalhar cedo, aos 15 anos. Isto me trouxe experiências engrandecedoras desde muito nova.
Comecei em um hospital de referência em Belo Horizonte [MG] e lá tive a minha primeira liderança feminina fora de casa – minha avó e minha mãe sempre foram grandes referências na minha vida. Dentre as muitas coisas que aprendi, e hoje tenho maturidade para nomear, é que é possível e mais do que isto, necessário, sermos humanos e justos no mundo corporativo. Isso ajuda o sono a ser leve e as nossas vidas a terem propósito e, nossas ações, impacto e longevidade. Apesar de adorar a experiência no hospital, era muito nova e recebi o convite para estagiar no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Lá tive meu primeiro contato com o mundo público, na área de financiamento para micro e pequenas empresas. Foi lá que entendi a importância do Estado no fomento de políticas públicas para redução de desigualdades e vi também que a esfera pública estava muito atrás, em termos de gestão e tecnologia, e que os desafios sociais eram ainda maiores do que eu supunha.
Na sequência, comecei a cursar Administração, na Universidade Federal de Minas Gerais [UFMG]. Após estas experiências de mercado, resolvi fazer iniciação científica e laboratório de finanças. Quis aproveitar tudo que uma universidade federal poderia me proporcionar. Tive ótimos professores e mentores, que me indicaram para várias matérias em outras áreas, de Ciências Humanas, Filosofia e Economia. Isso tudo contribuiu para ir ampliando as minhas redes e visão de mundo.
Quando fiz intercâmbio no Canadá, entendi como funciona um país com política pública efetiva, vi o engajamento da população em relação às temáticas de meio ambiente e uma outra forma de pensar. Conheci economia circular e ativistas de causas que eu não tinha dimensão da importância ainda. Quando voltei, surgiu a oportunidade na EloGroup, com o primeiro projeto em Belo Horizonte. Num vácuo de alocação, voltei à administração pública em um projeto do Conselho Nacional de Justiça [CNJ], financiado pelo Banco Mundial. Aprendi muito, desmistificou muitas coisas e convivi com várias pessoas inspiradoras. Também conheci o Brasil, viajando a trabalho por 10 estados, em visita a municípios que sequer imaginava que existiam no mapa. Isso possibilitou que conhecesse realidades distintas e reforçou em mim a necessidade de estar envolvida com projetos de impacto.
E, a partir daí, como essas experiências moldaram o seu caminho dentro da temática ESG e a sua evolução como gestora?
As experiências que tive, sobretudo, ao longo dos últimos sete anos, de maior interação com a gestão pública, a área de sustentabilidade e o terceiro setor, me sensibilizaram para o tamanho dos problemas que temos, ambientais, sociais, econômicos e de gestão, e a necessidade de reinventarmos os modelos de cooperação existentes, pois só é possível entregar uma transformação real – em escala, velocidade e geração máxima de impacto – com o desenvolvimento de capacidades, colaboração intersetorial e parceria público-privada entre empresas, governos, organização da sociedade civil e academia.
Neste contexto, veio também o planejamento estratégico da EloGroup em que definimos que ESG seria prioridade. Diferentemente de inovação, prática que desenvolvemos desde a fundação, há 15 anos, ESG é uma prática nova e, dentro de cada letrinha há um mundo! Empreendemos a prática e desenhamos tudo praticamente do zero, desde a abordagem, framework, a ofertas e trilhas de conhecimento. Com um time sensacional, conduzimos vários projetos: assessment para a criação de uma plataforma de contabilização de carbono, conectada à jornada de descarbonização de uma gigante de bebidas; lançamento e implantação da plataforma digital de apoio ao cuidado e desenvolvimento da primeira infância, que atende a mais de 100 mil famílias em Alagoas. Estruturamos a Aliança e o observatório de Brumadinho [MG] focado na recuperação e desenvolvimento do território no contexto do rompimento da barragem. E, com o programa AGP Saúde, impactamos mais de 100 municípios e economizamos cerca de R$ 120 milhões para os cofres públicos. Todas essas iniciativas geraram um enorme impacto, e isso nos dá a confiança de que estamos no caminho certo.
Falando sobre o aspecto social do ESG, e mais especificamente sobre a questão de diversidade de gênero: quais as principais dores vivenciadas pelas mulheres dentro das empresas?
Tem o senso comum, que todo mundo consegue claramente ver. E também coisas muito profundas, como atitudes motivadas por vieses inconscientes, com as quais ainda hoje boa parte das nossas organizações não está preparada para lidar. Das coisas que todo mundo vê, podemos falar das piadinhas, do assédio, do pré-julgamento estereotipado.
E tem as práticas mais sutis, como o viés de contratar, desafiar e reconhecer mais homens do que mulheres em suas carreiras. Acreditamos na falácia que o fato de termos mais homens do que mulheres em situação de liderança é uma questão puramente de meritocracia e se nos questionarmos um pouco mais, não é bem assim.
E por que acontecem essas situações? Muitas vezes porque a mulher não tem oportunidade, nem a confiança de um homem, branco, cisgênero e heterossexual. E não quero apontar dedo para ninguém, somos todos frutos de construções históricas e culturais, mas nós, mulheres, sistematicamente subestimamos nossas capacidades e habilidades. Sheryl Sandberg, no seu livro Faça Acontecer, aponta que 57% dos homens, quando contratados, negociam sobre seu salário inicial, enquanto apenas 7% das mulheres se sentem confortáveis para discutir pontos como este. Temos que ter consciência de que a mulher que está hoje no mercado de trabalho não foi criada num lar feminista. Essa mulher foi desafiada a cuidar de boneca desde pequena; ela foi questionada sobre a sua roupa, o seu jeito de sentar, de falar, e teve, em várias situações, a sua autoestima comprometida. E isso reverbera na sua forma de ver e viver o mundo. É algo que acontece nas entrevistas de emprego, a insegurança ao falar, ao se posicionar, como se vestir para ter o respeito do interlocutor, que, na maioria das vezes, é homem. A entrevista final para um emprego é com os cargos de liderança, e quem ocupa esses cargos hoje? São homens, e isso pode ser opressor para muitas mulheres. Na entrevista de emprego, você se questiona se entre as lideranças de uma empresa não há mulheres e o que está fazendo ali. Será que tem espaço para você?
E há questões legais, como a discrepância entre as licenças maternidade e paternidade, com uma diferença de 6 meses para 15 dias, que cria um problema conjuntural, uma desvantagem relativa muito importante. Devemos evoluir para licença-parental, que equaliza para mais os tempos de disponibilidade de um e outro, para que os pais se ajudem mutuamente na adaptação à nova tarefa comum.
Nas demandas diárias da criança, quando acontece algo na creche, só a mãe é chamada; ela não ganha o mesmo que o marido (por questões estruturais) e toma a frente de ficar em casa cuidando da criança; se coloca em risco de ser demitida – ou acaba pedindo para sair para voltar quando a criança tiver mais idade. Ao voltar para o mercado de trabalho, pode ser que ela fique desatualizada e perca muita competitividade. É como criar camadas e mais camadas de complexidade nessa jornada e aí fica cada vez mais difícil mudar a rota.
E como as organizações podem atuar de forma prática para endereçar essas dores?
Existem várias formas. Desde processos de contratação focados em mulheres, criação de grupos de afinidade, programas de conscientização, até licença parental. Temos que pensar no ingresso, mas sobretudo no desenvolvimento e retenção dessas pessoas ao longo da sua trajetória profissional. E passa por conhecer e desaprender construções sociais que acumulamos ao longo da vida, pois, numa situação de poder, isso pode ser determinante para acelerar ou limitar o crescimento do outro que é parte de uma minoria de direitos.
Há também a discussão de que trabalho doméstico não remunerado deveria ser incluído no cálculo do PIB, pois a falha ao medir esse dado pode ser uma grande lacuna. Também sou a favor de cotas – sejam raciais, sociais ou de gênero. O desequilíbrio que a gente tem hoje não será corrigido no curto ou médio prazos sem esses mecanismos. Além disso, as cotas têm a capacidade de gerar empatia, fator comportamental que promove transformação social.
Quando olhamos para o papel de liderança, quais os principais desafios de uma líder no setor corporativo hoje? E quais são as maiores oportunidades?
Não podemos romantizar o papel da líder feminina. Muitas mulheres ainda replicam o machismo aprendido ao serem alçadas a posições de poder, certamente porque não tiveram uma educação “libertadora” (como na frase de Paulo Freire). Alimentamos e replicamos o mito de que para poder estar naquele espaço de poder, temos que nos masculinizar, nos podar, nos vestir e nos comportar de determinada forma, seguir as regras do jogo, caso contrário, nossa existência estará ameaçada. E eu entendo todas essas inseguranças e questões, porque não é fácil habitar um mundo predominantemente machista. Essas mulheres reproduzem um comportamento que receberam durante as suas trajetórias, e possivelmente não tiveram espaço para reflexão e consciência.
Mas há uma outra via, mais saudável, das pessoas, sobretudo mulheres, que aprendem com seus processos e se apoiam. Temos que reconhecer que só de estarmos aqui pautando avanços como este, somos privilegiadas, graças a muitas mulheres que lutaram por esta causa. Crescemos num mundo em que temos nossos direitos civis básicos garantidos. E isso não é um fato dado. É uma conquista. Vejo que nosso papel de liderança é reconhecer e significar a nossa trajetória. A responsabilidade que temos é do tamanho de nossos privilégios. Precisamos pavimentar vias para que outras mulheres e minorias possam estar nos espaços de poder e defender o que são e acreditam para que, juntos, consigamos evoluir como sociedade. No caso dos negros e negras, por exemplo: há menos de 135 anos existia escravidão no nosso país.
O meu sonho é viver num mundo onde as pessoas tenham escolhas e que essas escolhas sejam conscientes. Consciência demanda autoconhecimento e empatia, e nem todos estão preparados e dispostos ao processo de descontruir suas verdades e abrir mão do seu espaço de poder. É mais cômodo reproduzir o sistema, viver o modo automático, que obviamente os beneficia.
Caminhamos muito, mas a jornada ainda é longa. Há pouca consciência do mundo que nos rodeia e no qual a gente está inserido e isso vem, inclusive, de uma masculinidade cis, hétero, branca que não é questionada sobre seu lugar de privilégio, que não busca conhecimento para além da sua bolha. As mulheres fazem muito mais isso, porque somos avaliadas o tempo inteiro. Essa exigência toda nos trouxe até aqui, mas é preciso modular isso quando você começa a ser uma referência formal, afinal de contas, a gente é com os outros o que a gente é com a gente mesma. Sua voz enquanto liderança tem que ser mais ampla e plural, tem que ser mais humana.
O Dia Internacional da Mulher – 8 de março, foi estabelecido em um contexto de lutas pela emancipação das mulheres. Com o mercado cada vez mais se voltando ao ESG, como as práticas ligadas a esse tema contribuem e apoiam a conquista de mais espaços e direitos para mulheres?
De forma objetiva e mensurável, a equidade de gênero tem sido um compromisso formal de boa parte das grandes empresas ao redor do mundo. E esta é, sim, uma grande oportunidade. Todas as mulheres que estão preparadas vão se conectar a esse movimento e provar sua capacidade e competência. O movimento é primeiramente regulatório, burocrático, mas com o tempo, vamos entender que, mais do que uma imposição artificial, essa postura é uma necessidade para a sobrevivência do negócio.
Acredito que o ESG alavanca as mudanças que já eram identificadas e são necessárias há muito tempo. Sempre digo que não é uma questão de se, mas uma questão de quando. E o quando foi acelerado com o ESG, que foi por sua vez foi acelerado pela pandemia e por movimentos do mercado financeiro. Sem dúvidas, mais mulheres em posições de poder contribuem para catalisar as mudanças.
De modo geral, em quais aspectos as temáticas ligadas a ESG ainda precisam avançar?
A pauta social é super relevante, especialmente no Brasil, que é dos países mais desiguais do planeta. A de governança já tem um pouco mais de maturidade. E, até por uma questão de escala de gravidade de consequências em caso de negligência, precisamos avançar ainda mais a pauta de meio ambiente. Se for ver os dados – tem um livro muito interessante do Steven Pinker, O Novo Iluminismo, em que ele fala: nos últimos 50 anos a gente dobrou a população mundial, ao mesmo tempo em que aumentou a longevidade das pessoas, muito graças à tecnologia. A economia cresceu oito vezes, mas a gente também consome quatro vezes mais recursos naturais.
A má relação com a natureza vem muito porque a gente se afastou dela, já que 70% da população vive em grandes centros. E esse afastamento nos trouxe uma insensibilidade. O aumento da temperatura no planeta contribui para vermos cada vez mais eventos que eram considerados extremos. E um problema ambiental causa um problema social. Enfim não podemos escolher só uma letra da sigla. Tudo é interconectado, necessário e urgente e se mistura enquanto causa e consequência uma da outra. Como no caso do saneamento básico ou da exploração de recursos naturais sensíveis por comunidades economicamente vulneráveis. Não dá para sair zerado em nenhuma letrinha. Mas, numa escala de 0 a 10, o “E” está em 1, e é condição de existência para os outros temas.
Falando sobre tendências, várias empresas já atrelam a emissão de títulos a metas ESG, especialmente os green bonds, que se relacionam ao meio ambiente. Cada vez mais há também notícias sobre dívidas ligadas ao S e ao G da sigla. Por exemplo, ao objetivo de aumentar o número de mulheres em posições de liderança. A emissão desses títulos vai continuar como uma forte tendência? É uma forma eficiente de estabelecer práticas ESG?
É uma tendência forte e acho que faz muito sentido, porque cria ou diversifica a matriz de incentivos para que os players se movam na direção correta. É um movimento necessário para que a gente consiga acelerar as mudanças para as próximas décadas.
E o movimento de trazer mais mulheres, negros, gays, trans, e outras minorias para posições de liderança agrega perspectivas de solução para os grandes desafios. São outras lentes à disposição das organizações. Precisamos dessa multiplicidade de capacidades e visões para um mundo cada vez mais multifacetado e complexo. Tudo isso permite uma mudança real e escalável.
O novo mundo precisa de articulação, do fomento de parcerias e formação de redes colaborativas. Mais do que nunca, é tornar o trabalho de formiguinha um movimento coletivo que nos leve a um impacto relevante. O ponteiro não vai se mover de forma decisiva se este não for um movimento de todos para todos. O ESG é um imperativo para as organizações e para o mundo, porque não vai ter mundo, não haverá futuras gerações sem esse tripé.