Por EloInsights, com colaboração de Marcos Navarini
- A transformação deve ser encarada como um ciclo contínuo que ajuda a manter a competitividade em uma organização, envolvendo mudanças e processos na abordagem à tecnologia.
- Uma abordagem TAM, que une tecnologia, analytics e gestão, é capaz de dar uma visão mais completa para superar barreiras e obstáculos.
- Enumeramos 10 ações e pontos de vista que levam em conta a criação de propósito e de bases sólidas para tornar os processos de transformação contínuos, no ritmo do mundo ao nosso redor.
Transformar é o ato de mudar algo de um estado inicial para um estado final. Entretanto, no mundo dos negócios, a definição é mais complexa que a do dicionário. Transformação envolve um conjunto de mudanças fundamentais – de processos, pessoas e tecnologias. Na empresa como um todo ou de áreas específicas, todas as transformações efetivamente buscam a sustentação do patamar de competitividade, seja pelo crescimento, pela criação de novas capacidades organizacionais ou por ambos os fatores.
Naturalmente, cada transformação é diferente entre si. Acreditamos que existam quatro imperativos para motivá-las:
- Extrair Valor: que se relaciona a fazer mais sem desperdício de recursos;
- Expandir Valor: seja na aquisição de novos clientes, na exploração de novos canais ou na criação de novas alavancas operacionais;
- Novos Valores: o desenvolvimento de novos produtos e serviços;
- Redefinir Valor: com a expansão de atuação em novos negócios ou novos modelos de negócio, efetivamente alterando a equação de valor.
Uma transformação com DNA específico, fruto da combinação de diversas dimensões, é a Transformação Digital, que foi impulsionada pela pandemia do Covid-19 e a adesão em massa ao home office. Podemos defini-la como o processo de usar tecnologias digitais para criar, ou modificar os existentes processos de negócios, a cultura e a experiência do cliente para atingir os requisitos de mercado e de negócios de um mundo em constante mudança. O fato é que nenhuma empresa sobrevive a longo prazo se não estiver constantemente se reinventando. Também é verdade que o sucesso das transformações costuma ser exceção e, na maior parte das vezes, é entregue menos do que foi prometido.
Por que as transformações falham?
A natureza humana é resistente a mudanças, o que dificulta qualquer transformação. Segundo John Kotter, professor emérito da Harvard Business School e autoridade no assunto, existem oito principais erros que comprometem todo o processo: falta de senso de urgência; ausência de uma coalizão poderosa; pouca transparência; falha na comunicação da visão de futuro; manutenção de obstáculos da transformação; ausência de metas e ganhos a curto prazo; conclusão precipitada do processo; raízes pouco profundas de uma nova cultura corporativa. Embora Kotter tenha publicado essa lista há 30 anos, ela ainda é muito válida.
Sem um propósito fundamental, clareza para comunicar e inspirar, ou buy-in das lideranças, dificilmente serão abraçados os mecanismos para que a mudança aconteça. Em longas trajetórias, é importante obter vitórias rápidas, a curto prazo. Um planejamento enxuto e uma abordagem de experimentação com o uso de metodologias ágeis e ciclos curtos aumentam o engajamento de toda a empresa e, consequentemente, as chances de sucesso. Ter fundações sólidas garante melhor adaptação às constantes mudanças de cenários internos e externos, além de alimentar a renovação de competências para novas transformações.
Uma boa condução engloba diferentes perspectivas e áreas do conhecimento. Acreditamos que uma abordagem integrada – e que pode ser resumida pelo termo TAM (sigla para Technology, Analytics e Management) – garante a aplicação de múltiplas lentes simultâneas e complementares para a resolução de problemas.
A partir das discussões apontadas até aqui, listamos 10 ações e pontos de vista para guiar uma transformação bem-sucedida:
1. Descubra o propósito
O propósito estabelece um norte para a mudança. Antes de iniciar a jornada, é de extrema importância traçar os principais objetivos e avaliar quais barreiras podem bloqueá-los, assim como fazer uma conexão com as transformações que impactam o mundo e que estão centradas nas pessoas e na sociedade. A definição de metas é crucial, pois determinam de forma pragmática quais resultados são esperados e de qual forma serão alcançados.
É preciso criar uma mensagem transparente, que seja assertivamente transmitida a fim de engajar e impactar o maior número possível de colaboradores na compreensão desses objetivos e na superação dos obstáculos para a transformação. Inclusive, Kotter estabelece uma regra para auxiliar nessa descoberta do propósito: você deve conseguir explicar sua visão em 5 minutos, de modo que outra pessoa entenda e se mantenha interessada.
2. Olhe para o futuro e quebre paradigmas
Ser preditivo, se antecipar e não se limitar ao pensamento tradicional. Ao se deparar com um problema, deve-se questionar as regras do jogo e ter uma postura contestadora ao pensar em possíveis soluções, ainda que possam parecer muito distantes da atual realidade da organização. A inovação é uma alavanca para garantir o crescimento e a capacidade de enxergar novas oportunidades na criação de valor. Esse olhar para o futuro deve ser uma lente para analisar seu propósito de transformação. Para entender as necessidades de negócio e possibilidades que ainda não existem, a organização deve combinar o pensamento analítico e determinista, que podemos chamar de mais tradicional, com o pensamento future-back, mais criativo e associativo.
Isso significa pensar em um objetivo macro para ser atingido no futuro – vamos colocar entre 5 e 10 anos – e, a partir do que se deseja ser, fazer uma volta ao passado, pensando em metas e horizontes a longo, médio e curto prazo para se chegar ao ponto principal traçado. Para não atrapalhar o desenvolvimento no presente, essa visão para o que está por vir envolve um conjunto de ações: definir o objetivo principal, desenvolver um extenso plano de ação, além de analisar constantemente o mercado, assim como os resultados que estão sendo alcançados.
O future-back precisa estar conectado à estratégia da empresa por meio de uma transformação de aspecto dual, que combine as ações atuais com aquelas que precisam ser transformadas na adoção de um novo modelo operacional. O conceito de Dual Transformation, que dá nome ao livro dos autores Scott Anthony, Clark Gilbert e Mark Johnson, explica essa dinâmica. Consiste em uma transformação “A” – a qual fortalece e reinventa o modelo operacional principal, garantindo as necessidades atuais da empresa – em paralelo a uma transformação “B”, que desenvolve o principal negócio que será criado adiante. Dessa forma, a empresa consegue quebrar paradigmas, inovar e diversificar suas atividades enquanto lida com as demandas atuais.
3. Puxe a alavanca certa
É preciso encontrar a alavanca capaz de “mexer o ponteiro”. Independentemente do escopo da transformação – e seja ela referente a uma melhoria de processo, ou à criação de uma nova estratégia de negócio – sempre serão impactadas somente duas alavancas de resultado.
A primeira é o crescimento de receitas (Growth) através da atração de novos clientes, na criação de novas linhas de receita, gerando diferenciais competitivos etc. Já a segunda, é a melhoria do Retorno sobre o Capital Investido (ROIC, na sigla em inglês) por meio do ganho de eficiência das operações, otimizando a equação de valor. No final das contas, independentemente de qual seja a alavanca, se não impactar no fluxo de caixa da companhia, não vai gerar valor.
Um dos grandes direcionadores para o reconhecimento das alavancas financeiras que serão atingidas é exatamente o conceito de Imperativo da Transformação, explicado anteriormente. As transformações de extração de valor são essencialmente de melhoria do ROIC, de captura de ganhos de eficiência. As de expansão de valor e as de criação de novos valores são a promoção do Growth, ou seja, o crescimento de receitas. Já redefinir valor, é reestruturar significativamente a equação de valor da companhia em nova trajetória de crescimento.
É uma forma de descobrir não só o momento estratégico da empresa e dos setores próximos, mas também qual é a alavanca prioritária que impulsionará a trajetória de mudança.
4. Crie um ambiente de transformação
Tecer uma rede de coalizão comprometida com a mudança destrava barreiras para se transformar. É fundamental entender as pessoas, ou seja, descobrir quais gatilhos vão disparar o senso pela mudança para cada indivíduo envolvido, entendendo interesses – tanto os individuais, quanto os coletivos – além do que os motiva a fazer o que fazem e quais as habilidades devem ser desenvolvidas.
Alguns elementos podem acelerar a queda dessas barreiras, como uma abordagem bottom-up – em que o foco não fica somente nos cargos mais altos da organização, mas que também considera gerentes e líderes de equipe, pois são quem impactam diretamente a forma como os projetos são executados e como as pessoas são lideradas. Dessa forma, é possível encontrar nudges: mudanças de contexto capazes de impulsionar e modificar comportamentos, como incentivo para que as pessoas abracem a transformação mais facilmente.
Essa análise de contexto psicológico, juntamente com um bom uso dos canais de comunicação, propicia impactar a maioria dos colaboradores, formando uma aliança poderosa na condução da mudança. Além disso, é de extrema importância que a organização resolva problemas e obstáculos para deixar essa condução fluir, seja em relação a processos burocráticos ou até mesmo na troca de líderes que não estejam comprometidos com a mudança.
5. Governe a transformação
A gestão da mudança (change management) vai além de comunicar o propósito. Deve superar o status quo para materializar a visão de futuro desejada pela transformação, no menor tempo possível para mitigar os impactos negativos iniciais que a aversão a mudanças costuma causar nas pessoas. Apoie todo o processo, planeje as etapas, capacite as pessoas, acompanhe e mensure os resultados com uma governança ativa. Com isso, além de uma jornada mais amena para os envolvidos, há maior entrega de valor em menos tempo.
As lideranças devem estar realmente comprometidas e alinhadas, investindo esforços para a formação de habilidades e capacitação das pessoas, eliminando barreiras e obstáculos, concretizando cada passo necessário e mensurando os resultados para comprovar que a mudança está acontecendo. Medir e avaliar o progresso tem grande impacto na motivação e credibilidade de toda a jornada de transformação. Planejar e criar vitórias de curto prazo, as quick wins, faz com que as pessoas enxerguem os resultados gerados e continuem acreditando no propósito.
6. Experimente rapidamente
É fato que o mundo está mudando cada vez mais rápido e com isso as mudanças no mercado também acontecem em um ritmo bastante acelerado. Portanto, se adequar a essa velocidade, gerando o máximo de aprendizados com o custo mínimo e rápida captura de valor, mantém uma empresa competitiva. Um modelo de gestão top-down, ou seja, centralizada na alta liderança, comumente influenciada pelas próprias experiências ou por intuição, torna o processo consideravelmente mais lento, burocrático e hostil à inovação.
O contraponto está na cultura de experimentação. Quando bem estruturada e feita em larga escala, é uma grande ferramenta para antecipar falhas e reduzir custos. Fazer análises em conjunto, em um portfólio de experimentos, ajuda a lidar com fracassos e mitiga a aversão ao risco – duas características da cultura test and learn. Afinal, quando há maior número de testes, também haverá convivência com falhas e hipóteses não comprovadas. Quando as decisões deixam de depender somente da alta liderança, tornam-se parte de diversas áreas de negócio e são tomadas de forma mais assertiva e rápida.
7. Não construa um castelo de cartas
Olhe com cuidado para as capabilities necessárias para viabilizar a transformação e verifique se elas já existem. Sem construir bases fortes de sustentação, as mudanças deixam de ser perenes e efetivas. Essa etapa de preparação envolve pessoas, sistemas e processos que deverão se adequar à nova realidade e é um dos pontos críticos para obter sucesso na jornada. Ao reconhecer e fazer as adaptações levando em conta a atual capacidade da organização, cria-se um mecanismo de sustentação, evitando que passos e metas não sejam cumpridos.
Investir na formação das pessoas, na construção de competências e desenvolver lideranças compatíveis com a transformação almejada, tendo em vista a realidade a ser estabelecida, são pontos essenciais para solidificar as fundações e dar continuidade a todo o processo.
8. Abandone o passado
Uma das etapas de change management é queimar as pontes com o passado para que não haja retorno ao contexto prévio. É comum considerar que a mudança não pode ser desfeita, ou então, considerar o processo bem-sucedido assim que os primeiros resultados são obtidos. Contudo, se as novas dinâmicas e ferramentas não estiverem enraizadas e bem estruturadas, existirá uma forte tendência de as pessoas retornarem aos antigos hábitos, assim que se sentirem menos pressionadas.
Logo, o trabalho de gestão da mudança não acaba após a etapa de implantação. Ainda será necessário definir um plano de desativação do modelo anterior e incorporar disciplina de transformação nas diversas estruturas da companhia que foram impactadas. É preciso enraizar as novas rotinas da organização e tornar as antigas pontes inacessíveis.
9. Avalie a transformação
Dados devem comprovar e apontar o avanço na direção correta. Quando o planejamento de metas e objetivos está desalinhado com a visão estratégica, é alto o risco de acabar desviando do propósito – seja pelo fato de não conseguir mensurar e avaliar para onde se está indo, seja pela desmotivação dos envolvidos, incapazes de reconhecer o valor de seus esforços.
As OKRs (Objectives and Key Results), metas focadas em outcomes (resultados), apontam se a direção está correta. Já os KPIs (Key Performance Indicators) indicam a performance atual. A utilização dessas métricas em conjunto, dentro de uma lógica de experimentação, permite avaliar cada etapa e regular a expectativa da liderança, tornando palpável cada ação. Isso tem um grande impacto na garantia de buy-in dos stakeholders envolvidos, ou seja, aumenta o engajamento tanto de quem tem interesse em monitorar o processo, quanto a motivação pelas conquistas dos indivíduos diretamente envolvidos na execução. Há ganho de credibilidade e de tração em todas as etapas da jornada.
10. Destrave metatransformações
A criação de sólidas fundações destrava a capacidade de se autotransformar. Na metatransformação são criadas as condições para desencadear futuras transformações na organização, potencializando as mudanças em um ciclo contínuo. Para isso, é essencial construir conhecimento em assuntos chave e ter acesso a ferramentas, além de uma ampla gama de metodologias voltadas a analytics, experimentação e agile (métodos ágeis). Uma cultura de aprendizado contínuo estimula a constante avaliação e discussão de novas práticas e a adoção de novas tecnologias, remodelando as formas tradicionais de trabalhar.
Essa construção de habilidades e capacidades permite à organização trabalhar a transformação como uma jornada, em um processo que se recicla e, portanto, é permanente. A organização moderna é movida por mudanças (driven by change) para se manter competitiva. Apenas a adoção de práticas que favoreçam esse novo mindset, moldado com autonomia na resolução de problemas, fará uma empresa ser capaz de se autotransformar, engatando os processos de transformação e caminhando no ritmo das constantes mudanças do mundo ao seu redor.
Marcos Navarini é consultor sênior na EloGroup