Por EloInsights
- Organizações precisam estar prontas para viver em contexto de grandes transformações, e se atualizar constantemente.
- É importante compreender quais as grandes mudanças culturais, influenciadas pela acelerada digitalização, que ocorrem atualmente.
- Entender esses “shifts” pode ser crucial para uma organização manter sua capacidade de inovar.
Nos anos 1970, os biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana cunharam o termo “autopoiesis” para descrever um fenômeno que eles definiram como a capacidade de células vivas produzirem suas próprias partes e, assim, criarem a si mesmas, o que também pode ser lido como seu poder de autotransformação. Sob esse ângulo, pode-se dizer que se um organismo não estiver em processo de constante transformação, ele está morrendo.
O mesmo vale para organizações. Os modelos de change management mais modernos indicam que a mudança precisa ser um ciclo contínuo. Ou seja, as empresas precisam incorporar a lógica driven by change, com todos os desafios que isso implica.
Isso ocorre porque as organizações não existem num vácuo. Elas estão inseridas no contexto mais amplo social e tecnológico em constante transformação, que nos últimos anos vem ganhando ainda mais velocidade graças à introdução de tecnologias disruptivas e poderosas mudanças de códigos sociais. Nesse cenário, quem não muda fica para trás.
A geração Z, por exemplo, é a primeira considerada nativa digital, ou seja, seus integrantes já nasceram imersos em tecnologia. Essa estreita relação altera as dinâmicas sociais, o que afeta o universo corporativo e a cultura organizacional, na medida em que os Gen Zs ingressam no mercado de trabalho.
Tão importante quanto estar consciente sobre a necessidade de mudar, é entender o novo cenário cultural e social que se desenha, e como ele impacta as organizações e seus colaboradores.
A tecnologia é coprotagonista – junto às pessoas – e funciona como uma lente ampliadora de horizontes. “O digital impacta nossa velocidade de invenção: criamos muito mais rapidamente, o que se traduz em uma maior intensidade de transformação”, diz Bruna Baffa, diretora na EloGroup.
Enquanto algumas organizações são nativas digitais, mais ágeis e programadas sob a ótica dos novos códigos, outras ainda precisam se adaptar e reinventar a relação com seu ecossistema.
Abaixo, listamos seis elementos que ajudam a compreender esse novo mundo, e detalhamos como eles se combinam nessa fórmula de transformações constantes, alimentando as novas gerações, que não só influenciam, mas estão diretamente conectadas às grandes mudanças culturais organizacional nas empresas:
1. Digitalização
Como dito anteriormente, o atual momento demanda velocidade e constante adaptação, tanto para indivíduos quanto para organizações. A nossa relação com o digital é um fio condutor, o qual seguimos em pontos de partida diferentes, influenciados pelo contexto geracional. Em um dos ensaios reunidos em Trick Mirror [Falso Espelho – Todavia, 2020], Jia Tolentino, escritora do New York Times, descreve como o sentimento de pertencimento torna-se cada vez mais atrelado ao ambiente virtual – um fenômeno que se consolida com as redes sociais como concentradoras de interações na web.
No seguinte trecho, descreve: “Os mecanismos de recompensa online imploram para substituir os offline, e então os ultrapassam”. Os nativos digitais enxergam o real e o virtual como um canal único, onde se vive em várias telas. Daí a naturalidade em lidar com a digitalização, por exemplo. Os mais jovens captam o espírito do tempo, o zeitgeist – ou seja, eles apontam quais códigos vão ficando residuais e puxam o cordão dos códigos emergentes. Sob a lógica hipercognitiva, transitam no mundo de muitas maneiras, remodelam a todo momento o status quo e normalizam as transformações.
A imersão no digital demanda que as empresas levem em conta os novos códigos para manter a competitividade e sejam cada vez mais estrategicamente digitais. Requer agilidade na adoção e assertividade na escolha de quais novas tecnologias vão adotar. Se pensarmos em change management, processo fundamental para guiar mudanças, esses novos comportamentos destravam e aceleram todas as fases: preparação para a mudança, descongelamento do modelo atual, a mudança de fato e o recongelamento no novo modelo.
2. Humanização
Por mais contraditório que pareça, o humano ganha força em meio à intensidade da revolução tecnológica. A pandemia forçou a incorporação de tecnologias, quebrando processos intermediários e aproximando as pessoas. Hoje, dois terços da humanidade é digitalizada e isso faz com que enxerguemos além das máquinas. Não é sobre ter o computador mais ou menos rápido, mas sobre a velocidade com que ganhamos poder de ação por meio das redes. Esse dinamismo extremo nos conecta, mas também traz sombras.
Existe um custo emocional e mental: os nativos digitais também são mais propensos a questões como ansiedade e depressão. Não à toa acompanhamos o fenômeno do aumento de casos de burnout relacionados ao excesso de trabalho. A busca por um olhar mais humano faz ainda mais sentido quando pensamos que, apesar dos avanços em inteligência artificial e machine learning, não se substitui sentimentos. É mais difícil entender o desejo por um abraço de um paciente, do que diagnosticar uma doença baseado em dados concretos e exames.
O holofote sai do produto e há um shift para o people centered: as pessoas no centro. O lema é “eu sou o que eu faço por você”, e a sociedade se intensifica como ponto focal. O desafio das organizações está em criar uma voz, em se posicionar e construir uma presença significativa, conectando-se com os diferentes stakeholders. Olhar externa, mas também internamente e entender como melhorar a vida das pessoas, consumidores e colaboradores. É considerar toda a sua cadeia para adquirir relevância e reputação.
3. Propósito
Impacto, remuneração, autorrealização e vida em equilíbrio andam de mãos dadas para as novas gerações. Trabalham pensando no projeto e nos desafios que precisam superar, sempre buscando um objetivo. Atrelam isso ao desenvolvimento pessoal, ao aprendizado, à motivação. São movidas por senso de propósito, verdade e conexão. Essa trinca sustenta a vontade de ser um agente de mudança.
As novas relações de trabalho se estabelecem a partir de ações de impacto real, de políticas de diversidade e programas de transformação de mundo – investimentos muito mais profundos do que só gerar lucro para os negócios, pois visam uma ética mais humana e sustentável.
São pessoas preparadas para lidar com tecnologia, para se comunicar, para colaborar e construir ideias. Os profissionais mais talentosos vão se conectar com empresas com as quais compartilham valores, nas quais possam ter voz e a oportunidade de realmente tornar melhor o meio ambiente e a sociedade em geral. Os novos códigos tratam de usar o passado a favor da construção de um presente que seja capaz de transformar o futuro. O valor desse legado não é algo estático e sim outro fator que está em constante movimento. Ser o melhor em sua categoria importa para o negócio e o mercado, contudo, para as novas gerações é mais impactante pensar o que será feito a partir disso e adiante.
4. Flexibilidade
A geração Z é multifocal, vê tudo o tempo todo. “O digital transforma tudo e de uma forma muito profunda. E quem já nasce com isso na veia tem vontade de fluir, de não definir a sua identidade, de se conectar com a comunidade e de abrir diálogos. É uma geração movida pela transformação”, diz Bruna Baffa.
Pensando no novo papel de gestão de pessoas, é uma lógica que leva colaboradores a quererem transitar mais pela empresa e a ter poder de escolha. O plano de carreira ideal é muito mais personalizado, já que a perspectiva do que é sucesso difere muito entre as pessoas. Há quem valorize mais tempo de férias, outros que se atraem por bônus; outros que preferem a possibilidade de girar em diversos cargos na empresa. Com o home office, trabalha-se de qualquer parte do mundo, o que também expande horizontes. Essa fluidez também se traduz no comportamento dos consumidores, muito mais atentos e participativos.
As organizações que dialogam com os novos códigos incorporam a reinvenção como core do negócio. Encaram novos paradigmas, deixam de ser uma máquina de planejamento e escalabilidade para adotar modelos mais dinâmicos, nos quais os objetivos fluem e se adaptam. Se abrem à experimentação e elaboração de novas hipóteses. As organizações confiantes, orientadas pela solidez, e as reativas, que se enquadravam com pressa ao contexto, deram lugar às organizações preditivas, que se guiam pelas mudanças (driven by change), e se sobressaem usando a tecnologia como lente e a flexibilidade como força motriz, em um processo contínuo dentro de uma jornada de transformação.
5. Autonomia
É preciso criar espaço para participação e a tomada de decisão em todas as pontas e níveis da organização. Evoluímos da sociedade da disciplina para a da conquista, em que o digital traz para a geração Z e para as que virão um novo elemento: potência. A interação está em nossas mãos, pelos smartphones e outros dispositivos, acontecendo diretamente entre as pessoas. Isso cria um contraponto ao conceito de poder.
As empresas que ainda estão se adaptando digitalmente tendem a ser autocentradas, querem ter voz acima das outras. É aí que existe um choque, pois as pessoas já se deram conta da potência trazida pela capilaridade das conexões e pela interligação de assuntos das redes sociais. Elas podem falar o que pensam, ao mesmo tempo em que compreendem os valores pela forma de se comunicar das marcas. Seja quando se posicionam, ou quando se omitem em assuntos relevantes e sensíveis. Esse novo ângulo altera o formato das relações interpessoais e a autopercepção de relevância na sociedade.
A autonomia se conecta a um mindset mais empreendedor e, ao mesmo tempo, a outros elementos que já citamos: as pessoas e a comunidade no centro; o desejo em ser um agente de mudanças e de construir o futuro; um propósito verdadeiro, flexibilidade e fluidez. Reforça o conceito da empresa como plataforma de facilitação de sonhos. A permanência faz sentido enquanto o trabalho for uma plataforma de realização de projetos, de desenvolvimento profissional e de evolução pessoal.
6. Diversidade
Ser inovador é mesclar mudanças incrementais e disruptivas dentro de uma jornada sem fim, incluindo pessoas, velocidade, colaboração, diversidade, experimentação e tecnologia. Não existe uma transformação definitiva. O discurso da mudança não é mais simples estratégia de produto, marketing ou comunicação. Para mudar, é mandatório trabalhar com as diferenças e com a multiplicidade de identidades e opiniões. “Diversidade & Inclusão é um passo fundamental nas organizações como papel ético, mas também crucial na discussão de inovação”, afirma Baffa.
Diversificar cria um ambiente em ebulição favorável à criação de produtos relevantes e a uma cultura organizacional realmente potente. As ações ESG ganham espaço e fica no passado a lógica compensatória. A definição de sustentabilidade se atrela a trazer equilíbrio, a zerar a emissão de carbono e ao conceito de regeneração. Vai além da correção de comportamentos, práticas e ações. Demanda gerar impactos positivos antes dos negativos e a contribuir, de fato, na melhora do planeta.
A diversidade é um pilar para a inovação e demanda um olhar transversal para vários grupos minorizados, seja por questões raciais, de orientação sexual, de gênero ou pela falta de inclusão de pessoas com deficiência. É necessário refletir sobre uma mudança sistêmica, pois a conscientização é ampla e as discussões são muito distribuídas, dos escritórios ao chão de fábrica. A inovação vai acontecer com múltiplos pontos de vista, a partir de mais lentes voltadas para o mundo, que se transforma o tempo inteiro.