“O aprendizado estratégico é o que gera valor”

Por EloInsights

  • Fundador da xTree, empresa que oferece experiências de aprendizado, Octavio Milliet fala da relevância e de como tornar o aprendizado estratégico para moldar a cultura corporativa.
  • A geração de valor vem ao atrelar a gestão do conhecimento a uma dor, ambição ou a um desafio de negócio.
  • Além de temas como “lifelong learning”, “learning how to learn”, “upskilling” e “reskilling”, abordamos o papel crucial do C-level na valorização do conhecimento para acompanhar o ritmo de transformação do mundo.

Para uma organização contemporânea, realizar de forma inteligente uma gestão do conhecimento se tornou capability essencial. Essa competência se relaciona a um mindset e à estruturação de processos de aprendizagem na cultura corporativa, incentivando os colaboradores a aprender de forma contínua, eficiente e alinhada à visão de futuro da empresa. Não se trata de promover treinamentos isolados, mas de um combinado de iniciativas que geram impacto positivo. O aprendizado gera valor tanto pelo engajamento das pessoas, quanto pelo retorno através da aplicação prática de projetos reais no negócio. Ou seja, um aprendizado feito de forma estratégica, ou strategic learning.

É essa a visão de Octavio Milliet, CEO da xTree, que se coloca como parceira estratégica de outras empresas ao usar o conhecimento como alavanca para os negócios. Para ele, a Nova Era Digital nos colocou fora da zona de conforto. Se antes aprendíamos algo e usávamos por anos, até mesmo décadas, hoje é drasticamente diferente. Precisamos nos manter em transformação, assim como o mundo, e essa regra não é diferente no ambiente corporativo.

“A gente precisa reaprender a aprender. Saber que existem formas melhores de se aprender. E não é aquilo da escola, de ficar sentado decorando coisas. Temos formas muito eficientes de absorver o conhecimento e isso é muito importante para o melhor uso do nosso tempo”, afirma Milliet.

Confira a entrevista completa a seguir:

Você pode falar um pouco sobre o conceito de “strategic learning” [aprendizado estratégico] e como isso aparece nas ofertas da xTree?

A gente vem, no último século dentro do mundo dos negócios, de uma lógica de treinamento, em que as pessoas absorvem conhecimento de forma passiva. Com baixo engajamento e falta de conexão direta com o desafio do negócio. Na nossa visão, esse modelo apresenta uma série de falhas.

O aprendizado estratégico é o que realmente gera valor. Não só com engajamento, mas também aumentando o impacto no negócio. O nosso ponto central é partir de uma dor, um desafio ou uma ambição da empresa. É um olhar para o negócio e não somente para o indivíduo. A partir disso se constrói toda a lógica de aprendizado. Não oferecemos cursos ou programas por si só, mas uma parceria estratégica através do conhecimento, o que ajuda a melhorar o desempenho do negócio.

Está diretamente conectado a algo que possa ser implementado na prática, pois a nossa capacidade de retenção do conhecimento é muito maior quando o aplicamos. O retorno sobre o investimento é muito maior.

Qual é a importância de as organizações investirem em uma cultura de lifelong learning, de aprendizado ao longo da vida, e como isso se relaciona com a capacidade de inovar e se manterem relevantes no mercado?

O lifelong learning veio para ficar. A gente vê o mundo em uma transformação enorme. Estou falando de um movimento da Nova Era Digital, da Economia 4.0, um processo que vivemos há 20 anos e nos colocou fora da zona de conforto.

O desenvolvimento e a velocidade das mudanças aumentaram muito. Para que as pessoas e as empresas se mantenham relevantes, elas precisam estar em um processo contínuo de aprendizado. Segundo o Gartner, 8 em cada 10 pessoas não têm as habilidades necessárias para suas funções atuais ou para suas carreiras futuras. A esteira rolante do mundo acelerou e quem estiver no mesmo ritmo de 10 ou 15 anos atrás, vai tropeçar e cair. E não só os indivíduos, mas também as empresas.

É impossível pensar em tornar o negócio mais inovador, mais digital, sem envolver as pessoas. É uma falácia achar que a transformação digital é apenas tecnologia. Ela vem através das pessoas. 

aprendizado estratégico é o que gera valor, frase de Octavio Milliet

Nesse contexto, qual o papel que os processos de upskilling e reskilling de colaboradores desempenham? 

É um processo de incorporação de uma cultura. E isso vem muito de cima. A diretoria deve entender a importância dessa cultura do aprendizado, entender que parte da dedicação do time é para manter as pessoas relevantes, e a empresa por consequência. Em uma pesquisa, a Amazon mostra que 71% das pessoas que passaram por um processo de upskilling se sentem mais satisfeitas com seus trabalhos.

No upskilling, me requalifico em uma mesma vertente de trabalho, atualizo o meu conhecimento. É uma pessoa de RH passar a entender quais são, hoje, as práticas mais modernas da área. Já no reskilling, se faz um shift profissional. A pessoa sai de uma posição, que eventualmente até deixa de existir. A tecnologia está eliminando posições, é preciso se requalificar para assumir novos papéis. 

Como indivíduos, temos que manter o aprendizado constante como parte da nossa vida. É um processo contínuo de upskilling. Já a empresa deve considerar isso dentro de uma estrutura organizada. Ou seja, em termos de orçamento, de processo, de dedicação de tempo, de disponibilidade na agenda das pessoas.

Aprendizado estrategico e a esteira do mundo, frase de Octavio Milliet

Qual a sua perspectiva em relação ao “learning how to learn” e como isso impacta na construção de uma trajetória de crescimento?

A gente precisa reaprender a aprender. Primeiro, é entender o valor do tempo, nosso principal ativo, que é escasso. Somos massacrados por informação o tempo todo em diferentes formas. Estamos acostumados a absorver muita informação inútil. A formação é ler um livro, fazer um curso, estudar e se desenvolver. Essa virada de chave, de formação para informação, parece simples, mas é muito relevante.

Em segundo, é organizar o aprendizado. Nesse sentido, vale usar técnicas e ferramentas, como o Kanban, para definir etapas de mergulho, desde um mais superficial num assunto, até um mais profundo. Nesse último, por exemplo, posso ler livros, fazer cursos, até o ponto de ficar qualificado e por dentro de determinado tema. De forma organizada, você distribui e se compromete com o aprendizado.

Outro ponto importante é definir momentos de “deep work”, de concentração. Posso citar o estado de fluxo, que é um estado mental altamente focado e propício à produtividade. É entender como me concentro para fazer uma imersão, entender e absorver aquele conhecimento. 

Nosso conhecimento se dissipa muito rápido. A técnica da Barbara Oakley, da repetição espaçada, é muito eficaz, de estabelecer contato com determinado conhecimento, e depois voltar ao mesmo tema. Pode ser de formas diferentes, por um texto, um artigo, um podcast, o resumo de um livro, ou um livro inteiro. É ter pontos de contato com aquele mesmo conhecimento múltiplas vezes.

Existem formas de uma organização estimular e estruturar a troca de conhecimento de colaboradores? Qual sua visão sobre a importância dessa troca de saberes realizada dentro de uma empresa?  

Uma mudança ou a incorporação de uma cultura em qualquer empresa é um processo longo. A teoria diz que uma mudança cultural leva de cinco a sete anos. Incorporar a cultura de aprendizado é no dia a dia.

Um dos caminhos que estão sendo desenvolvidos são as redes de aprendizagem. Ou seja, um aprende, ensina o outro, vou gerando e multiplicando esse conhecimento dentro da empresa. Existe a Técnica Feynman: quando eu ensino de uma maneira condensada e objetiva o conhecimento que eu recebi, mostro que o retive. É uma forma de a pessoa, após o primeiro contato com um aprendizado, retê-lo, ao mesmo tempo que transmite isso para o time.

Aprendizado estratégico e o papel da diretoria na construção de cultura

Na sua visão, como a governança do conhecimento deveria funcionar? De quem é a responsabilidade por essa gestão nas organizações?

A disseminação e evolução desse conhecimento de forma sustentável vai ser um processo de mudança cultural dentro da companhia. Então precisa ser uma governança colaborativa, para as pessoas cada vez mais entenderem o valor daquilo e se engajarem por um objetivo comum. Obviamente, com estrutura e processo, como a rede de aprendizagem.

No mundo corporativo e na gestão do negócio, quanto mais trouxer para a prática o conhecimento, com certeza maior será o sucesso de evolução da empresa.

Em um artigo de 2020, você citou o termo “depreciação do conhecimento”, a ideia de que perdemos anualmente 20% daquilo que aprendemos. Você pode explicar melhor como acontece essa depreciação e como isso se conecta ao lifelong learning?

 

A depreciação do conhecimento foi trazida em números por um professor de Harvard, o Boris Groysberg. A pesquisa chegou à conclusão de que a nossa depreciação (a perda de valor no tempo) de conhecimento, hoje, é de aproximadamente 20% ao ano. Ou seja, algo que a gente aprendeu há 5 anos – e estamos falando do ambiente corporativo e de negócios – já está ficando obsoleto. Não podemos esquecer que o nosso conhecimento deprecia e, conforme o tempo vai passando, vamos perdendo relevância.

Essa pesquisa foi refeita durante a pandemia e trouxe que a depreciação do conhecimento no meio corporativo e relativo a formas de trabalhar explodiu, foi a 70%. Com o aprendizado constante, com proatividade, vamos diminuindo essa taxa de depreciação. Da mesma forma que uma fábrica. Ao fazer manutenção, a depreciação tende a ser menor do que se deixar tudo enferrujando. Temos que pintar e manter nossa fábrica, renovando o nosso processo de aprendizado para que a taxa de depreciação não seja tão alta.

Aprendizado estratégico e o processo contínuo de upskilling dos colaboradores, frase de Octavio Milliet

O modelo educacional acelerou na adoção de tecnologia, com formatos híbridos e de ensino a distância, que já eram vistos como tendência antes de 2020. Como todo esse quadro, com maior ênfase no digital, afeta a gestão do conhecimento nas empresas?

Hoje há uma oportunidade enorme de acelerar o processo de conhecimento dentro das empresas. Podemos ter a ilusão de que o fator que disrupta o mercado, um determinado produto ou prática, é a tecnologia. No fundo, o que gera a disrupção é a mudança de comportamento do consumidor. E foi exatamente o que a gente viu na pandemia. As pessoas, forçadamente, tiveram que ir para casa, se isolar e passar a ter uma dinâmica de trabalho, de estudo e de interatividade diferente.

Existe o argumento de que a relação pessoal tem muito mais valor do que o online. Para determinadas coisas, sem dúvida. Mas não dá para menosprezar o valor dessa mudança de comportamento do mundo. Existe, há anos, uma série de ferramentas e formas de gerar, disseminar e estimular o aprendizado com o uso da tecnologia. Mesmo com uma pessoa em Maceió, outra em São Paulo, outra em Porto Alegre, ou até mesmo fora do Brasil, mas compartilhando aquele ambiente de aprendizado. As empresas que já entenderam e incorporam isso estão usando brilhantemente o caminho da tecnologia a seu favor.

Incorporar isso de uma maneira inteligente é através de uma metodologia, do uso de tecnologias bem estruturadas. Se bem-feita, a experiência online pode ser tão rica, ou até mesmo mais rica, que a experiência presencial.

Faz sentido tentarmos elaborar uma lista de capabilities e habilidades que sejam as mais importantes de se cultivar na atualidade, nesse contexto de gestão do conhecimento no ambiente corporativo?

A gestão do conhecimento passa um pouco por tudo aquilo que conversamos: é uma questão de mindset, de entender a importância desse processo dentro da companhia, inserido em uma cultura de aprendizado. É sobre as pessoas entenderem como podem aprender de forma eficiente, cultivar curiosidade e pensamento crítico.

Quando falei da mudança de informação para formação, é sobre sermos mais críticos na escolha do conhecimento que absorvemos. É um combinado de iniciativas relevantes que, quando juntas, geram impacto positivo. Não é algo específico e isolado.

Como referência, sugiro as top skills para 2025 do relatório do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum). Aprendizado ativo e estratégias de aprendizado estão em segundo lugar da lista.

Em um artigo sobre aprendizado constante, você citou como referência a Heather E. McGowan, coautora do livro “The Adaptation Advantage”. Poderia citar outras obras e autores que inspiram essa abordagem de encontrar novas formas de se manter sempre atualizado?

Poderia citar Simon Sinek e Adam Grant. Gosto bastante do Marshall Goldsmith, que traz a perspectiva de que “o que te trouxe até aqui não vai te levar adiante”. De que não dá para a gente ficar na zona de conforto e menosprezar nosso entorno e as mudanças. Acho importante essa reflexão.

Mais no campo da tecnologia e de todas essas transformações que as empresas estão vivendo, gosto muito do The Technology Fallacy, que traz a perspectiva de que a real transformação digital está nas pessoas e não em uma tecnologia em si. E tem a Carol Dweck, autora do livro Mindset.

Enviar por email