Por EloInsights
- Ao elaborar estratégia do presente para o futuro, organizações podem perder importantes sinais que apontam para disrupções e mudanças no jogo do mercado.
- Abordagem future back propõe um olhar que começa em um horizonte mais distante, além da “zona de conforto” da empresa.
- Processo de “engenharia reversa” desse futuro permite que organizações compreendam gaps e estabeleçam novas iniciativas de crescimento que as preparam para o novo cenário.
Na literatura biográfica de famosos empreendedores do mundo todo, o adjetivo “visionário(a)” se tornou praticamente um lugar-comum. Como se criadores e criadoras de empresas que encontraram o seu sucesso tivessem nascido com algum tipo de poder sobrenatural, que lhes deu a capacidade de penetrar o véu do tempo e encontrar no futuro as respostas para os problemas de cada uma de suas respectivas épocas.
Mas uma análise disciplinada dos processos que levaram às maiores disrupções tecnológicas da história recente mostra que, independentemente da “genialidade” inata de qualquer líder, existem padrões de resolução de problemas que podem ser aprendidos e incorporados em metodologias, permitindo a uma organização inovar de forma sustentável, encontrando novas avenidas de valor ao mesmo tempo em que fortalece e expande seu core business.
Uma dessas abordagens, utilizada pela EloGroup na implementação de processos estruturados de inovação dentro de empresas, é conhecida como “Future back”, ou “do futuro para o presente”, em tradução livre. Ela foi inspirada pelos trabalhos de uma série de autores, como Mark W. Johnson e Josh Suskewicz, coautores do livro “Lead from the Future: How to Turn Visionary Thinking Into Breakthrough Growth”, a professora Saras D. Sarasvathy, que estudou a forma como empreendedores de sucesso pensam os seus negócios, além da própria experiência da EloGroup com projetos de inovação.
Nesse processo, um pouco de capacidade visionária será mesmo necessária, mas como descreveremos a seguir, não se trata de nenhum dom sobrenatural, e sim de uma abordagem prática e objetiva.
O que pesquisas demonstram é que as empresas ainda estabelecem suas visões e estratégias baseadas em horizontes muito curtos, apenas nas premissas encontradas no mercado atual, o que as deixa vulneráveis a potenciais disrupções tecnológicas que ocorram além desse planejamento estreito, impossibilitando também a captura de valor das mesmas.
Jaime Frenkel, diretor-executivo de inovação da EloGroup, descreve essa maneira habitual de trabalhar dentro das empresas. “O time executivo usualmente está focado em entregar o dia a dia da organização. Ele precisa garantir a finalização dos projetos no prazo, apagar uma série de incêndios, e isso naturalmente toma a energia dele”, diz Frenkel. “O problema é que ao fazer isso por muito tempo, você não percebe que a regra do jogo pode mudar. Entram novas tecnologias, e modelos de consumo que podem transformar drasticamente essa regra.”
Frenkel descreve de que forma esse tipo de pensamento, que parte do presente em direção ao futuro, pode deixar as empresas vulneráveis à disrupção. “É comum ver em empresas de bens de consumo, por exemplo, as metas de inovação sendo associadas ao percentual de novos produtos lançados”, diz. “Mas isso acaba se traduzindo no lançamento de uma série de produtos parecidos, com baixa incerteza e maior garantia de vendas, que não contemplam possíveis mudanças futuras nas tendências de consumo. No fundo, você não ataca novas necessidades dos clientes.”
Visão vs Estratégia
A visão deve inspirar a organização, definindo o ponto de chegada, ou o destino da mesma. Ela pode definir um “novo jogo” a ser jogado pela empresa, e se relaciona a escolhas feitas no longo prazo, com mais de cinco anos. A estratégia operacionaliza a visão, e define o caminho a ser percorrido. Determina como a organização vai vencer no jogo traçado, e se relaciona a escolhas feitas no curto prazo, num horizonte de um ou três anos.
Um caso de estudo nesse tipo de abordagem é o da Apple. No final dos anos 1990, logo após o retorno de Steve Jobs ao cargo de CEO, a empresa passava por dificuldades, em parte por conta de uma tendência de comoditização no mercado dos computadores pessoais.
Naquele momento, a empresa fez uma mudança de direção estratégica, e começou a construir as bases do que seria sua visão de longo prazo, de mais de duas décadas, e que vigora até hoje: os computadores da empresa passariam a funcionar como “hubs” digitais para todo um ecossistema de aparelhos eletrônicos que se popularizavam na época, como câmeras digitais de foto e vídeo, tocadores de mp3 etc.
Por um lado, a empresa não abriria mão de investir em seu core business, a fabricação de computadores pessoais. Por outro, passaria a explorar novas avenidas de valor, de olho em como esse novo mercado poderia se desdobrar, com forte potencial de evolução futura.
Essa mudança deu frutos rapidamente, com o lançamento de softwares como o iTunes (2001), onde músicas poderiam ser adquiridas e organizadas em uma biblioteca digital, e o iMovie (1999), que até hoje funciona como um editor de vídeo mais básico para o sistema operacional MacOS.
Mas a empresa não parou por aí, e passou a fabricar seus próprios aparelhos eletrônicos que se conectariam a esse seu ecossistema, sendo o iPod o primeiro deles e um dos mais emblemáticos. Aos poucos, com o passar dos anos, lançamento após lançamento, a visão de um hub digital integrado, traçado na virada dos anos 1990 para os anos 2000, foi se concretizando, gerando novas fontes de receita para a empresa, hoje a mais valiosa do mundo, e transformando uma série de indústrias, como a da música e de telefonia, depois do anúncio do iPhone, em 2007.
Obviamente, a liderança da empresa não tinha, em 1998, uma visão perfeitamente clara de como a indústria se comportaria vinte anos depois, por mais que a cultura popular goste de destacar o caráter “visionário” quase mitológico de empreendedores como Steve Jobs.
O que ocorreu é que os líderes da Apple foram capazes de olhar de forma objetiva para o mercado de seu tempo, extrair dele informações, como a popularização de equipamentos eletrônicos de consumo pessoal, e a partir daí extrapolar uma visão de longo prazo definida o suficiente para que uma estratégia concreta pudesse ser implementada.
Em nenhum momento a Apple deixou de fabricar computadores. Pelo contrário, no longo prazo, essa estratégia que visava novos mercados fortaleceu ainda mais o core business da empresa, e até hoje os Macs compõem o núcleo desse hub digital, em diferentes categorias.
Como funciona a abordagem future back
Na perspectiva da EloGroup:
Passo 1 – Definir uma visão de futuro
“Nossa abordagem começa com a construção de um ponto de vista muito particular sobre qual vai ser o futuro do negócio. O que vai mudar e, mais importante, o que não muda na dinâmica da competição”, diz Frenkel. “Para construir esse ponto de vista, primeiro, a gente precisa mapear os sinais de futuro. Isso passa por entender: o que os concorrentes estão fazendo? Para onde está indo o investimento de capital de risco? Que novo modelos de negócio estão surgindo? Como é que os clientes, os consumidores, estão mudando o seu comportamento?”
O importante é definir uma hipótese para um futuro, que seja aspiracional e positivo, e então estabelecer um processo de aprendizado iterativo de testagem dessa hipótese. Aprender e ajustar durante o caminho.
Uma comparação que pode ser usada para explicar o quão definida precisa ser essa imagem de futuro do negócio é a de um quadro impressionista, movimento artístico que tem entre seus exponentes o pintor Claude Monet, famoso por retratar paisagens de forma pouco definida, os limites dos objetos se mesclando. Ou seja, na abordagem future back, a imagem de futuro não precisa ser comparável à de uma fotografia realista em alta definição, e sim trazer os fundamentos que ajudem a compor aquele cenário, mesmo que de forma difusa e imprecisa.
Essa imagem deve ser então cruzada com a realidade atual da sua organização. Como ela se enquadra nesse futuro projetado? O core business segue relevante, tem oportunidades de crescimento, ou encara possíveis disrupções? São ameaças? Graves, que ameaçam a existência do seu modelo de negócio, ou moderadas? Ou são oportunidades, que oferecem possibilidades de crescimento tanto no core business quanto para novas iniciativas?
Finalmente, qual será o papel da sua organização nesse futuro? Aqui, é importante refletir sobre quais são as lacunas que o seu core business tem hoje para conseguir gerar valor relevante nesse cenário impressionista de longo prazo. Não podem ficar de fora iniciativas adjacentes ao core e também aquelas que sejam completamente novas.
Como seria a versão da sua organização mais preparada para tudo o que vier nessa projeção?
“O desafio é conseguir criar um ponto de vista para a empresa de como o setor está mudando e quais inovações vão fazer a diferença. Isso requer uma mudança de modus operandi, para permitir que esses sinais de futuro entrem, refletir sobre eles e criar um ponto de vista”, diz Frenkel.
Passo 2 – Transformar o ponto de vista em oportunidades concretas de inovação
“O próximo passo é transformar esse ponto de vista sobre o futuro em oportunidades concretas de crescimento e inovação para a empresa. Pra isso, a gente precisa entender quais são as alavancas do core business”, diz Frenkel. “Essas alavancas são ativos, competências e outros tipos de recursos que além de serem cruciais pra sustentar a competição do core, eles podem ser ressignificados para virar uma vantagem competitiva que permita a entrada em novos negócios onde a empresa ainda não atua.”
Para isso, é preciso responder:
- Quais novas propostas de valor a organização pode levar ao mercado para atender às demandas emergentes?
- Qual o potencial dessas oportunidades? Elas estão de acordo com o apetite de crescimento da empresa?
- Quais competências e ativos precisam ser desenvolvidos, internamente ou externamente, para viabilizar essas oportunidades?
- Quais hipóteses e incertezas precisam ser validadas antes de investir e mergulhar de cabeça nessas oportunidades?
- Qual é a ordem de grandeza de investimentos que precisarão ser feitos para viabilizar os novos negócios?
Frenkel explica que nesse trabalho de “engenharia reversa”, onde o ponto de partida é o cenário futuro, “é impossível executar todas as oportunidades do portfólio, por mais atraentes que sejam”.
“Será preciso desenvolver novas competências, fazer investimentos que não podem ser concluídos todos num curto prazo. Então é preciso encontrar movimentos à prova de arrependimentos. Movimentos que permitam à organização, ao mesmo tempo, adquirir novas competências, mas também gerar receitas incrementais que já mostrem resultado para esse movimento todo de inovação.”
Também é preciso mapear quais são os experimentos necessários hoje para garantir oportunidades de inovação realmente disruptivas.
O resultado dessa discussão é um roadmap de inovação que mais orienta os esforços da organização do que define uma trajetória fixa. “O roadmap vai se adaptar à medida em que o contexto mudar, que novas informações surgirem”, conclui Frenkel.
Passo 3 – Executar a estratégia
“O terceiro passo é executar essa estratégia. E para transformar visão em realidade, a empresa precisa se organizar”, detalha Frenkel. “Precisa, primeiro, de uma estrutura dedicada, criada exclusivamente para trabalhar essas oportunidades.”
A estrutura deve incluir um time de alto potencial para fazer a inovação acontecer. Outro ponto crucial é o engajamento da alta liderança, que tem que aprender a lidar com a incerteza, que vai ser natural para essas iniciativas, e precisa patrocinar para que elas aconteçam, garantindo que a organização colabore com elas, removendo barreiras que eventualmente vão surgir.
É importante cultivar a mentalidade test and learn: falhas fazem parte da jornada e aprender com elas é essencial para o caminho de sucesso rumo à inovação.
Ao final, constatamos então que construir o futuro de uma organização onde exista um crescimento sustentável e ela esteja pronta para lidar com possíveis disrupções não envolve fundamentalmente bolas de cristal nem a presença de líderes “visionários”, e sim outros elementos bastante objetivos, entre eles: garantir a abertura para captação de sinais de futuro, que já aparecem no presente, por meio de pesquisa e análise minuciosa do mercado e seus consumidores, além de mudanças na estrutura da empresa que vão garantir o estímulo a um mindset de testagem e aprendizado, e de maior resiliência ao risco.
Assim, de forma estruturada, por meio de uma abordagem future back, é possível garantir que a organização esteja pronta para gerar valor em um cenário futuro em que disrupções tecnológicas, culturais e de consumo não serão apenas uma possibilidade, mas sim uma realidade inevitável.