Por EloInsights
- O propósito deve ser a essência de uma organização e orientar a transformação e evolução da marca.
- Essa mensagem deve ser transparente e sua construção envolve uma série de ações, como ouvir stakeholders para identificar de que forma a empresa se coloca e é vista pelo ecossistema ao seu redor.
- Artigo propõe um framework, além de três etapas para se chegar à definição do propósito, com indicação de metodologias e abordagens envolvendo a organização e seus stakeholders.
O que é propósito em uma empresa?
Vivemos processos acelerados de digitalização e transformação tecnológica que trazem consigo profundas mudanças de códigos culturais, além de uma série de outras reformulações estruturais que impactam não apenas as pessoas, mas também as organizações. A competitividade aumentou, assim como a consciência coletiva em relação ao papel central das empresas na construção de um mundo melhor.
Nesse contexto, as marcas são obrigadas a sofisticar suas estratégias para se diferenciar. A entrega de valor não pode mais se restringir apenas à qualidade de produtos e serviços. Precisa ser ampliada para abarcar também novas demandas por um posicionamento de marca consistente, por ações relevantes para a sociedade e pela defesa de causas que contribuam para um mundo mais equilibrado. Em outras palavras, aumentou significativamente a importância de um forte propósito que dê sentido e oriente todas essas ações, ou as organizações correm o risco de parecer ultrapassadas, desconectadas do pulso do tempo.
A pesquisa Marcas Pós-Propósito, da consultoria Eixo, dá contorno a esse panorama e revela como as empresas hoje ganham relevância no sentido de direcionar e transformar a mentalidade pública. Existe uma descrença em instituições e, para 61% dos entrevistados, as empresas privadas são as únicas encaradas como éticas e competentes. Esse ganho de credibilidade acrescenta exigências.
Os atuais e futuros consumidores – especialmente da Geração Z, nascidos entre o final dos anos 90 e 2010 – se interessam por produtos e serviços na mesma intensidade que anseiam por causas e posicionamentos. As pessoas buscam conexão com as marcas e há um sentimento de que a priorização do lucro sustenta um sistema excludente. As narrativas meramente publicitárias devem dar lugar à solução de problemas, como destruição ambiental, racismo, falta de inclusão e de equidade social e de gênero.
Torna-se essencial para a existência das organizações se engajar para moldar um futuro mais sustentável, plural e menos excludente. “O propósito vai guiar toda a transformação da companhia para essa direção de futuro. Se for bem desenhado, vai falar muito do que já foi realizado e do que a empresa pretende ser. Vai ser uma antena para o futuro, quase um farol”, afirma Bruna Baffa, diretora da EloGroup.
Nessa lógica pós-propósito, as belas narrativas não funcionam sem a prática e sem compromissos alinhados ao conceito de ESG, ou seja, dentro das esferas ambientais, sociais e de governança. A complexidade é crescente e não há mais espaço para a indiferença. É preciso dialogar com os novos arranjos político-sociais, com formas de organização mais coletivas e códigos culturais emergentes que, puxados pelas novas gerações, renovam valores e transformam a normatividade. E já há empresas que levam isso a outro nível.
A Patagonia, marca de roupas e equipamentos voltados para atividades ao ar livre, por exemplo, voltou toda a sua estrutura operacional para intensificar a luta contra a crise climática. Segundo a empresa, o que não for reinvestido no negócio – valor estimado em US$ 100 milhões por ano – vai ser distribuído como dividendos para financiar organizações ambientais, apoiar candidatos políticos e investir em negócios que protejam a natureza e a biodiversidade.
O propósito oferece um “norte” ao esforço para gerar valor. Se materializa não pela mensagem inspiradora e concisa que transmite, mas pelas iniciativas com real impacto positivo que o sustentam. Quando transparente e autêntico, se traduz em iniciativas estampadas com os valores e pela maneira como a organização se coloca e contribui para transformar o mundo. Pode ainda ter a vantagem adicional de atrair e reter os profissionais mais qualificados, que farão toda a diferença na jornada do negócio.
O desenho do propósito de uma empresa envolve uma série de ações. Em primeiro lugar, é preciso entender o que motiva a organização a gerar valor. Isso passa por investigar quais são os valores percebidos e entregues para cada um dos diferentes stakeholders.
Ou seja, não basta fazer uma leitura própria da empresa, é preciso ouvir todos ao redor dela. Um ponto central é envolver colaboradores de todos os níveis, do mais júnior aos executivos, antes, durante e depois da jornada da construção do propósito, além de fornecedores, parceiros, clientes e até mesmo ex-colaboradores e concorrentes.
Esse mergulho profundo deve resultar na definição de um propósito potente, traduzido em uma mensagem que carregue a essência da organização, além de refletir a construção de caminhos para a transformação e evolução constante da marca, dos seus processos e das próprias áreas da organização.
No decorrer deste artigo, apresentaremos um framework para orientar essa definição. No entanto, se ilustrarmos o propósito organizacional, ele nasce da interseção entre o que a empresa faz de melhor com aquilo que ela é capaz de transformar positivamente na sociedade por meio de sua existência e atuação:
Um framework para a construção de propósito nas empresas
Para definir um propósito consistente, o grande desafio está em tangibilizar a visão de futuro que vai guiar a organização. Seu desenho é traçado na busca da essência mais profunda da marca. Passa por torná-la mais humana, desvendando sua razão de existir e conectando-a a uma estratégia que engaje os stakeholders.
A essência será colocada em prática em todas as pontas do negócio na forma de metas, na evolução da criação dos fluxos de valor e nos traços culturais indispensáveis para atingir os objetivos-chave da organização.
Três etapas ajudam a organizar essa construção:
- Definir o propósito: é a essência, o DNA, a razão de ser e existir da marca. É o direcionamento e a criação de uma mensagem que envolve diferentes stakeholders, capaz de criar conexão e de trazer relevância à marca. Inclui a definição de manifesto (ou mission statement), ideal de marca (brand ideal) e assinatura (ou tagline).
- Estabelecer trade-offs: envolve o desdobramento do propósito na organização. O que a empresa precisará abrir mão e ajustar dentro de sua lógica tradicional para se alinhar ao propósito estabelecido? É tudo aquilo que se deve ou não fazer para tornar o propósito real.
- Implementar ações estratégicas: a partir das duas primeiras etapas, são mapeadas e aplicadas ações estratégicas de gestão que levarão à implementação do propósito em diferentes áreas da organização. Colocado em prática, o propósito traz mudanças culturais e sistêmicas. Por exemplo, aglutina áreas de negócio para que iniciativas tomem corpo e sejam vistas como um movimento da empresa inteira e não de uma área específica. Aqui será medido o impacto das mudanças, como as barreiras serão derrubadas e quais serão as soluções para concretizar o propósito.
A seguir, vamos detalhar o framework criado pela EloGroup:
Como definir o propósito
A definição do propósito é uma fase de investigação e de descoberta. A mensagem não pode ser algo totalmente diferente do que a organização já é ou já faz. Deve traduzir algo que precisa ser evidenciado, mas também trazer um ponto de atenção, uma provocação para a mudança que impulsione a empresa a evoluir.
Como citado no início do texto, a única forma de definir um propósito consistente é unindo as perspectivas internas e externas dos stakeholders. Envolve entrevistar colaboradores, em vários níveis hierárquicos, fornecedores, parceiros e clientes. Nesse processo pode-se ainda recorrer a ex-colaboradores e até mesmo a concorrentes para fazer um reconhecimento completo da marca, captando o seu legado.
Também deve ser considerada a perspectiva da empresa em relação ao mundo. Esse olhar pode vir tanto das entrevistas e grupos de estudo com as pessoas já citadas – quando serão convidadas a refletir como a organização se conecta com a sociedade – quanto de insights gerados por outras metodologias. Entre elas está a análise semiótica, que se baseia em representações históricas e culturais relacionadas a categorias e mercados tidos como chave para a empresa.
O cruzamento dessas diferentes camadas vai estabelecer os códigos mais relevantes na construção do território criativo de propósito, que costuma resultar em possíveis linguagens e no tom da mensagem que será associada à marca. Nenhuma organização é vista como uma coisa só. Ela pode ser, por exemplo, humana, tecnológica, pioneira, futurística. Ou seja, podem ser apontadas inúmeras possibilidades, as quais podem se complementar, até serem materializadas em uma mensagem mais completa.
Para traduzir tudo isso de uma forma mais prática, vamos usar a marca EloGroup como guia. Nesse caso, partimos de um território criativo que gira em torno das palavras potência e transformação. Esses termos dão o tom da mensagem final do propósito, que é a seguinte: “Queremos criar um mundo onde pessoas e organizações destravem seu potencial para impulsionar uma espiral de transformações positivas ao seu redor”.
Segundo Baffa, “o propósito é uma frase maior, mais completa. Depois vem um manifesto que compreende tudo o que você quer falar. E aí pode vir um brand ideal (ideal de marca) e uma tagline (assinatura), que são mais concisos; uma frase ‘matadora’ para resumir a mensagem”.
Podemos dizer que o manifesto, o ideal de marca e a assinatura são elementos que comunicam para o mundo o propósito da organização. No caso da EloGroup, o ideal de marca é a mensagem: “Junto daqueles que se desafiam para destravar seu mais completo potencial”; e a assinatura é a hashtag: “Unlock Your Potential”. Já o manifesto, que é a materialização da mensagem do propósito em uma peça inspiracional, foi feito em formato de vídeo.
Veja a imagem abaixo, que sintetiza todo esse processo de criação:
Como estabelecer trade-offs
Para que o propósito seja real e gere engajamento, é necessário estabelecer trade-offs, ou seja, ajustes dentro da atual realidade da empresa. O que deve e o que não deve ser feito desse momento em diante a fim de materializar o planejado. De novo, o direcionamento é dado pelo jeito de fazer negócios da organização e pela natureza do relacionamento estabelecido com cada elemento de seu ecossistema.
Por exemplo, se a empresa se propõe a ser horizontal e colaborativa, mas não age assim em algum ponto da cadeia de negócios, seja com fornecedores, no processo de compras, ou mesmo internamente, com seus colaboradores, é preciso modificar essas práticas e fazer jus ao propósito para vivê-lo.
Por meio de workshops com as diferentes áreas de negócio, os trade-offs são definidos em duas frentes e em três níveis:
Como implementar ações estratégicas para derrubar barreiras
Podemos resumir esta etapa como a aplicação prática dos trade-offs. É a partir desse processo que as barreiras que impedem a plena realização do propósito serão atacadas e derrubadas. Geralmente, são necessárias mudanças culturais e sistêmicas, impactando processos e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para oportunidades e soluções que fortaleçam e reforcem a mensagem do propósito.
“Posso juntar uma área com outra; posso fazer uma iniciativa conectada a uma pauta do mundo, defendendo uma causa; posso mudar meu processo de marca empregadora (employer branding) e construir um processo seletivo diferente, com a participação dos meus colaboradores”, exemplifica Baffa.
É fundamental que as iniciativas traçadas sejam entendidas como pertencentes à empresa como um todo, porque o propósito nunca se conecta a uma área só. É a organização que sustenta esse propósito e ele reverbera em várias ações, que podem ser levadas adiante por várias áreas atuando em conjunto.
Por que é importante definir um propósito
A definição de um propósito forte e claro é hoje essencial para que uma organização prospere num cenário que exige um novo paradigma de gestão. É através dele que a empresa vai se conectar ao contexto social mais amplo, intensificar seu impacto positivo no mundo e, assim, atrair e reter talentos, além de melhorar sua imagem pública.
Profissionais talentosos não consideram mais remuneração e vantagens financeiras como os fatores mais determinantes na escolha de uma organização para trabalhar. Uma pesquisa da Gallup, de 2021, mostra que uma melhoria de 10% na conexão dos funcionários com o propósito da organização é capaz de reduzir em 8,1% a rotatividade de colaboradores e ainda aumentar em 4,4% a lucratividade dos negócios.
Sendo assim, definir um propósito e atuar de acordo com ele se tornou questão de sobrevivência para uma organização que queira se firmar como plataforma de talentos, garantir sua capacidade de gerar valor e estar na ponta de seus setores.
Não basta escolher uma frase de efeito. É preciso efetivamente converter essa intencionalidade em medidas práticas que se reflitam no dia a dia da organização, o que invariavelmente impactará inúmeros stakeholders. Para se alinhar à complexidade do mundo é preciso dar ouvidos às causas coletivas e aprender a dialogar com a diversidade de existências e vivências. Estabelecer um propósito mantém a marca em movimento, mais conectada à realidade e com faro aguçado para captar oportunidades que levem à inovação e à construção de caminhos rumo ao futuro.