100 Startups to Watch: oportunidades e desafios na inovação do setor de saúde brasileiro

Por Lucas De Vivo

  • Saúde 4.0 foi o tema do evento realizado dentro do circuito do prêmio 100 Startups to Watch, que está em sua oitava edição.
  • Bruna Rosso, sócia da EloGroup, participou da conversa ao lado de nomes relacionados à inovação no setor brasileiro de saúde.
  • Entre os assuntos discutidos, destaque para as novas oportunidades no mercado, a incorporação da tecnologia ao dia a dia do segmento e os entraves para a inovação dentro do contexto atual do setor.

O mercado de saúde no Brasil está em constante e intensa transformação, principalmente se considerarmos a onda de inovação trazida pelas startups. Essa jornada é muitas vezes dificultada por entraves que exigem resultados imediatos e menos disposição ao risco por parte dos grandes players do setor, que operam com margens apertadas. Apesar desses desafios, o ecossistema de saúde brasileiro traz consigo um oceano azul de oportunidades em empreendedorismo e aplicação de novas tecnologias.

Esse foi o assunto principal da conversa online promovida por Pequenas Empresas & Grandes Negócios, como parte do ciclo da oitava edição da premiação 100 Startups to Watch, realizada também pela Época Negócios e Valor Econômico, em parceria com a EloGroup e Innovc que abrange as empresas mais promissoras dos principais setores econômicos do país.

De acordo com a Conta-Satélite de Saúde divulgada em 2021 pelo IBGE, a procura por serviços de saúde avançou 10,3% no período pós-pandemia, o que mostra o início de uma grande mudança no setor, com alterações que já viraram parte da jornada de cuidado do paciente, como a telemedicina, que registrou mais de 30 milhões de atendimentos em 2023 segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde).

Trata-se de um cenário complexo e dinâmico no qual o Brasil possui, hoje, capital intelectual e infraestrutura para se posicionar, até mesmo em um contexto global.

Startups impulsionam a inovação e o incentivo à visão empreendedora dentro do ambiente acadêmico, traduzindo pesquisas e sistemas em soluções com impacto real no mercado.

Essas iniciativas são apoiadas por centros de inovação e programas de aceleração como o Harena, do Hospital de Câncer de Barretos, que conta também com eventos voltados para a inovação na saúde pública, e do Tecnopuc, um ecossistema da PUC-RS que conta com centros de pesquisa e entidades profissionais e empresariais, focado no desenvolvimento de negócios inovadores.

O contexto atual e os entraves para a inovação no setor de saúde brasileiro

Segundo Bruna Rosso, sócia da EloGroup, a falta de investimento dedicado à saúde dificulta a inovação no setor. “Há a necessidade de resultados imediatos e comprovados vindos das grandes empresas do setor. Desde 2021, especialmente após o “boom” da pandemia com IPOs e valuations elevados, o mercado de saúde tem operado com margens muito apertadas”, aponta.

De acordo com ela, esse fato reduz a disposição ao risco dos players, essencial para a inovação e demanda de investimento. “Houve uma redução de 40% nos investimentos destinados ao setor entre 2021 e 2023, o que impacta o desenvolvimento de novas tecnologias”, explica.

Mona Oliveira, fundadora da Biolinker, acredita que o maior problema é a falta de uma cultura forte de inovação nas empresas brasileiras. “Isso leva à busca por incrementações e resultados rápidos, o que faz com que as empresas operem em um “oceano vermelho”, com alta saturação e competitividade. Ela diz também que não há resiliência do capital privado para investimentos de longo prazo: “Precisaríamos de investimento para desenvolver novos medicamentos, um investimento de longo prazo, com uma resiliência muito maior. Precisamos fazer esses cases nascerem para começar a ter essa inovação como um processo cultural.”

Bruna também aponta como entrave a baixa maturidade das empresas de saúde em tecnologia e dados. “As empresas contam muitas vezes com um volume muito grande de sistemas legados, que não suportam novas tecnologias”, explica. “Não é incomum identificarmos à beira do leito de hospitais a necessidade de transição manual de dados clínicos do paciente para, então, passar manualmente para um sistema.” Além disso, a falta de estruturação e integração de dados é outro problema, ainda mais com a tendência de verticalização do setor, que envolve muitas aquisições entre as empresas.

Para Guilherme Sanchez, gerente de inovação do Harena, é importante pensar também na viabilidade econômica dos novos sistemas. “Soluções na área da saúde precisam ser sustentáveis e autofinanciáveis”, conclui.

Tecnologias habilitadoras e o potencial de transformação na saúde

“Saúde é um setor que nunca será 100% digital. O cuidado humano é imprescindível”, aponta Bruna. A tecnologia, como ela explica, vem para prover eficiência e trazer benefícios claros, como a melhora no diagnóstico e no registro de atividades e prontuários.

Ela destaca a IA como a principal tendência tecnológica: “Devemos encarar a IA como uma solução embarcada para resolver problemas e colocar o paciente no centro.” As tendências tecnológicas, segundo ela, surgem para suprir as dores do mercado, como o conflito de interesses entre players da saúde suplementar e fatores externos, como o envelhecimento da população, que geram pressão por eficiência no setor.

Bruna destaca 4 categorias de tendências:

  1. Soluções para eficiência assistencial: soluções que aumentem a disponibilidade dos profissionais para cuidado assistencial, reduzindo trabalho operacional, que atualmente ocupa cerca de 50% do tempo do médico. Destacam-se aqui soluções como transcrição de voz para anamneses (entrevistas detalhadas com os pacientes), transcrição automática de laudos de exames, distribuição automática de medicamentos nos leitos.
  2. Soluções para cuidado preventivo: uma das formas de gerar eficiência no setor é reduzir a necessidade de tratamentos pós doença, através da prevenção. Destacam-se aqui aplicativos para auxiliar no controle da ansiedade, depressão e estimular a atividade física. Ela também reforça a presença dos wearables (vestíveis) com IA embarcada: “A partir de dados identificados no wearable eu consigo diagnosticar alguma questão e já direcionar o paciente para a prevenção correta, para o acompanhamento devido. Hoje é possível até medir índice glicêmico.”
  3. Soluções para diagnósticos mais precisos e eficientes: tecnologias que prometem diagnosticar tendências de câncer com um único hemograma, assim como IAs embarcadas em equipamentos de diagnóstico por imagem que reduzem o tempo de sala em exames de ressonância magnética e, consequentemente, os custos do sistema.
  4. Medicina personalizada e integrada: “Os maiores custos da saúde se referem ao cuidado não integrado, que faz com que o paciente busque a porta de entrada incorreta. Um atendimento em Pronto Socorro, por exemplo, é em torno de 4x mais caro do que ambulatórios”, explica Bruna. Tecnologias que usam sensores para integrar informações do paciente e engajá-lo nos cuidados para direcioná-lo ao melhor tratamento são uma forte tendência, aponta. Além disso, a medicina personalizada permite uma adequação à linha de cuidado àquele paciente específico, através da integração dos seus dados e da jornada.

Colaboração no ecossistema de inovação

Flavia Fiorin, gerente executiva do TecnoPUC, reforça a importância da universidade e de parques tecnológicos: “O parque tecnológico da Universidade Científica e Tecnológica conecta pontos como logística, gestão e trabalhabilidade de bases de dados”, explica. “A inovação só acontece quando conectamos áreas diferentes de conhecimento.” Somente no TecnoPUC, há a presença de 330 organizações que conectam empresas, startups e grupos de pesquisa dentro da dimensão da academia. “Aqui conectamos todas as interfaces que atuam no segmento. A colaboração entre cada um deles é o que faz com que consigamos, efetivamente, alcançar soluções com potencial de disrupção no futuro”, aponta. “Trabalhar inovação não é você ter uma área de inovação. Você precisa de uma diversidade, uma complementaridade de visões incluindo o time clínico, dados, TI e jurídico, por exemplo”, completa Guilherme Sanchez. Flavia ainda fala sobre a dificuldade que o setor tem quando o assunto é a colaboração: “A inovação parte da colaboração. Muitas vezes olhar para o seu próprio problema e pensar que uma startup vai ajustar o seu modelo de negócio para atender ao desafio de uma única instituição mata o negócio antes de ele surgir. Precisamos amadurecer esse componente, construir esse cenário hipercompetitivo.”

O “oceano azul” na saúde: onde estão as grandes oportunidades do segmento?

“O conceito do ‘desfecho’ é importante para a saúde”, afirma Bruna Rosso. “Falamos, já há alguns anos, que nosso sistema não é de saúde, e sim de doença, remunerado pelo volume de cuidado, exames, consultas, e isso não necessariamente resulta em saúde.” De acordo com ela, o modelo de remuneração mais praticado no Brasil é o Fee-for-service (taxa por serviço), que remunera independente do desfecho, mas há oportunidades em se investir em modelos que negócios voltados ao Value-Based Healthcare (VBHC), que prioriza a entrega de resultados e benefícios, com uma remuneração pautada na qualidade.

Sanchez aponta que isso ainda está longe da realidade brasileira: “Apesar de ter mais de 20 anos, o conceito de saúde baseada em valor ainda está muito distante de ser a prática no Brasil”. Ele ainda reforça que isso, em si, já é uma oportunidade a ser trabalhada. “Para projetos inovadores de startups, pesquisa, essa é uma lógica que faz muito sentido. Quando a gente pensa no desenvolvimento de um novo negócio, além da tecnologia é importante pensar na incorporação disso dentro do sistema, incluindo as formas de remuneração.”

Bruna destaca ainda outra oportunidade, que é o engajamento do paciente na sua jornada de cuidado. Segundo ela, atualmente no Brasil o paciente cria seu próprio sistema de saúde, o que não é ideal. “O paciente decide qual médico procurar, qual exame precisa fazer, qual medicamento tomar e quando precisa ir ao pronto-socorro”, explica ela. “Existe, então, uma importância de engajar o paciente ao cuidado para que ele possa ser coordenado. No Brasil, poucos negócios conseguiram de fato esse nível de engajamento.”

Para Flavia, do TecnoPUC, uma grande oportunidade é investir na base de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) brasileira, já que há grande potencial para o surgimento de deep techs e biotechs. “Temos uma grande qualidade de produção científica e tecnológica no país, com diversos cases efetivos que derivam de pesquisas acadêmicas”. Aponta.

Ela explica que o cenário é promissor, já que a qualidade científica brasileira é reconhecida mundialmente. “Para que mais cases surjam, é necessária uma revisão de ecossistemas de políticas públicas, de modo que o capital esteja disponível, além dos investimentos privados”, afirma. “Temos contexto, temos capital intelectual e infraestrutura para dar esse salto. Sem dúvidas, para mim, esse é o ‘oceano azul’ atualmente.”

Assista, abaixo, a gravação na íntegra do evento “Saúde 4.0”:

LUCAS DE VIVO é Redator de EloInsights

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