ChatGPT e o impacto das novas gerações de inteligência artificial nos negócios 

Por Marcus Couto, com a colaboração de Gabriel Renault e Luís Huber 

  • Lançamento do ChatGPT é um marco na história recente da inteligência artificial e dos Large Language Models (LLMs)
  • Modelos open-source conseguem absorver vastos volumes de dados e replicar com alto nível de precisão a linguagem natural humana em texto.
  • Nova geração de IA representa um grande impacto em diversas indústrias e áreas da economia; entenda como empresas podem se preparar.

Quando os líderes da startup californiana OpenAI, uma empresa de inteligência artificial (IA) relativamente pequena, ordenaram a seus cientistas no final do ano passado que alterassem o cronograma de trabalhos para focar no lançamento-relâmpago de um novo produto que funcionasse como um chatbot, eles deram a largada para um novo capítulo de uma das corridas mais aquecidas no atual mercado de tecnologia. 

Semanas depois, estava no ar o ChatGPT, uma ferramenta aberta ao público e gratuita, equipada com o modelo de linguagem natural GPT-3 (na verdade, a versão 3.5 do GPT, que é um dicionário gigantesco de termos, como mostra a tabela abaixo), capaz de responder de forma estruturada, com uma fluidez que lembra a capacidade de expressão humana, perguntas feitas pelos usuários sobre uma infinidade de tópicos. O ChatGPT escreve poesia, soluciona problemas de programação e matemáticos, entre outras capacidades que vêm despertando a imaginação e a curiosidade de pessoas ao redor do mundo, além do interesse de investidores e a preocupação de concorrentes. 

Dados usados no treinamento do GPT-3

Dataset Número de tokens Proporção dentro do treinamento
Crawling comum
410 bilhões
60%
Textos da web
19 bilhões
22%
Conjunto de livros 1
12 bilhões
8%
Conjunto de livros 2
55 bilhões
8%
Wikipedia
3 bilhões
3%

Fonte: Wikipedia

O ChatGPT já é um dos produtos de tecnologia com o lançamento mais bem-sucedido da história. Dois meses depois de ir ao ar publicamente pela primeira vez, acumulava mais de 30 milhões de usuários com 5 milhões de visitas diárias. Em comparação, o Instagram, por exemplo, levou um ano para chegar à marca de 10 milhões de pessoas cadastradas em seu app de compartilhamento de fotos.  

O sucesso surpreendeu os próprios funcionários e lideranças da OpenAI. O executivo-chefe da empresa, Sam Altman, recomendou publicamente em seu perfil no Twitter que os usuários tenham cautela ao utilizar a ferramenta, que ainda é considerada um experimento em processo de lapidação, e oferece respostas que por vezes não são factualmente corretas.  

Mas, ainda assim, o impacto deste lançamento já pode ser considerado um marco na história recente da inteligência artificial, que na última década viu grandes transformações graças ao advento da nuvem, que barateou o custo da capacidade computacional, e aos avanços no campo do Deep Learning, que viabilizaram o treinamento de redes neurais de forma mais efetiva. O motivo: ele demonstra de forma prática as fantásticas possibilidades de uso da nova geração de IA, que ainda está apenas “esquentando os motores”.

O modelo sucessor do GPT-3, o GPT-4, foi lançado no dia 14 de março. Apesar de as especificidades técnicas do novo modelo terem sido mantidas sob sigilo pela empresa, ao contrário do que ocorreu com as versões anteriores, sabe-se que o GPT-4 é mais poderoso, capaz de trabalhar com mais parâmetros e por isso obter resultados mais consistentes e assertivos em suas respostas.

Neste artigo, vamos percorrer algumas possibilidades de uso dessa nova geração de IA, como elas geram valor, possíveis impactos sobre os negócios e a sociedade como um todo. 

Como o ChatGPT pode ser usado nos negócios?

Os LLMs (large language models, ou grandes modelos de linguagem) como o GPT-3 são uma das múltiplas verticais na pesquisa de inteligência artificial. Tratam-se de modelos treinados para reproduzir linguagem humana na forma de texto, a partir da análise de volumes gigantescos de informação, com bilhões de parâmetros que os tornam capazes de imitar a forma como estruturamos o idioma escrito com altíssimo nível de precisão.   

Como a maior parte desses algoritmos já são open-source e estão publicamente disponíveis, a principal questão para a qual as empresas devem estar conscientes é sobre a excelência dos dados que serão utilizados para treinar os modelos. A aplicação de LLMs em contextos comerciais sempre será tão poderosa quanto o volume e qualidade de dados disponíveis, por isso as organizações precisam se aprofundar no trabalho de garantir sua disponibilidade e qualidade, acumulando-os e categorizando-os.  

Nesse cenário, em que a transformação digital de diversas áreas da economia depende de um drástico enriquecimento de dados e de uma maior capacidade de analisá-los, modelos de IA entram como elementos de potencial disrupção em praticamente todos os setores da economia tradicional.  

Com isso em mente, alguns casos de uso já podem ser destacados (vale lembrar que, com a amplitude de escopo de aplicação da IA, esse é necessariamente um recorte muito limitado das possibilidades a serem exploradas por empreendedores e líderes de empresas): 

Serviços médicos

O setor de saúde passa hoje por profundas transformações que, se bem-sucedidas, definirão o seu futuro, baseado em uma completa reformulação dos pilares estruturantes tradicionais. No recente Digital Health Report que a EloGroup publicou em parceria com o fundo de investimentos Aggir Ventures, destaca-se um novo pilar: o de uma saúde baseada em prevenção e antecipação, em vez de foco no tratamento de doenças de forma reativa, que por consequência depende do enriquecimento dos dados de pacientes e na melhor análise dos mesmos.  

Nesse cenário, as novas tecnologias de inteligência artificial, especificamente os LLMs, tendem a desempenhar um papel disruptivo. Modelos como o GPT-3 são capazes de digerir volumes gigantescos de dados médicos, seja da literatura ou de registros históricos de pacientes, e assim auxiliar na elaboração de diagnósticos mais precisos, realizar análises preditivas, melhorar o outcome de tratamentos, e no geral ampliar a geração de valor tanto para os pacientes quanto para os outros stakeholders envolvidos, ressaltando aqui a necessidade de se ter dados de qualidade disponíveis e categorizados para ampliar o “poder de fogo” dos modelos.  

Na telemedicina, chatbots mais inteligentes, com fluidez de expressão semelhante à humana e maior capacidade de interação, podem melhorar o primeiro atendimento, otimizar a jornada do paciente, e poupar valiosos recursos para os prestadores de serviços de saúde.  

Na área de pesquisa de novos fármacos, também destacada como uma das jazidas de valor desse mercado pelo Digital Health Report, a IA pode acelerar o processo de desenvolvimento, auxiliando pesquisadores em seu trabalho. 

Varejo

Com um aumento expressivo da participação do e-commerce nas vendas totais do varejo brasileiro nos anos mais agudos da pandemia da Covid-19, de 5% em 2019 para 12% em 2021, segundo dados da ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), cresceu também o interesse de empreendedores em trabalhar na otimização de toda a jornada do consumidor.    

Além disso, a Abstartups (Associação Brasileira de Startups) mapeou em 2022 um número de 167 retail techs ativas no país, das quais 36,6% foram fundadas entre 2020 e 2021.  

Nesse contexto de aquecimento, a IA entra com um dos principais elementos capazes de trazer disrupção ao varejo. Análises de séries históricas de vendas e de outros dados de consumo são capazes de otimizar fluxos de produção, estocagem, além da experiência do consumidor (CX) como um todo, desde a sua entrada numa loja virtual (ou física, com a implementação de tecnologias de sensoriamento) até a entrega de produtos. 

Atualmente, chatbots já são empregados em muitas operações de atendimento ao consumidor, mas a nova geração de LLMs tem o potencial de elevar enormemente a qualidade desse tipo de ferramenta, melhorar a experiência do consumidor, e gerar mais valor para os stakeholders envolvidos. 

Mídia

Em janeiro deste ano, a notícia de que o Buzzfeed passará a utilizar tecnologia da OpenAI para automatizar parte de sua criação de quizzes criou ondas de otimismo no mercado e elevou o preço das ações da empresa.

Ainda que o CEO, Jonah Peretti, tenha afirmado, em comunicado interno a funcionários, que ele espera que a janela de tempo para que o conteúdo do site em si seja produzido pela IA seja mais longo, de cerca de 15 anos, e um porta-voz da empresa ter salientado que o material jornalístico seguirá produzido por repórteres humanos, a notícia aponta para o potencial de disrupção de LLMs no setor de mídia. 

A capacidade desses modelos de criar textos que imitam a linguagem humana com altíssimo nível de realismo e precisão os tornam candidatos a substituir redatores humanos em uma série de casos de baixa sensibilidade, que não envolvam alto nível de elaboração, como é o exemplo dos quizzes do Buzzfeed, produto responsável por grande parte do tráfego do site.  

Vale destacar que este tópico envolve importantes discussões éticas que ainda estão pouco maduras, relacionadas a checagem de informações, vieses da máquina, regulamentação da IA, entre outros. O ChatGPT ainda não é capaz de acessar o material produzido pela publicação de notícias em tempo real, mas esse cenário poderia transformar a forma como o material jornalístico é consumido pelas pessoas no futuro.  

Engenharia de software

Uma das áreas que já sentem o impacto dos LLMs é a do desenvolvimento de software. Isso porque modelos como o GPT-3 já são capazes de compreender, em linguagem natural, as necessidades de programação, e convertê-las para códigos prontos para aplicação em ambientes de uso reais. 

O YouTuber Nick White demonstrou essa capacidade com um exemplo simples em que utiliza o ChatGPT para criar um site de publicação de vagas de emprego. Ele não somente usa as sintaxes HTML e CSS para elaborar a página, como também pediu ajuda da inteligência artificial para encontrar ideias de possíveis sites que ele pudesse criar. Com alguns poucos pedidos para a máquina, ele tinha elementos básicos do front-end, copiou-os e colou em seu ambiente de desenvolvimento, e pronto.  

Além disso, o ChatGPT consegue responder a dúvidas básicas de programação, por exemplo, como declarar uma classe em Python: 

  

class ClassName: 

    def __init__(self, argument1, argument2, …): 

        # class constructor and instance variables 

    def method1(self, …): 

        # class method 

    def method2(self, …): 

        # class method 

    … 

  

Ou então ajudar um usuário a criar um simples prompt de captura de e-mails em uma página HTML utilizando o micro web framework Flask: 

  

from flask import Flask, request 

  

app = Flask(__name__) 

  

@app.route(‘/’) 

def index(): 

    return ”’ 

        <form action=”/” method=”post”> 

            <input type=”email” name=”email”> 

            <input type=”submit” value=”Subscribe”> 

        </form> 

    ”’ 

  

@app.route(‘/’, methods=[‘POST’]) 

def subscribe(): 

    email = request.form[‘email’] 

    # Save the email address to a database or send it to a mailing list 

    return ‘Thank you for subscribing!’ 

  

if __name__ == ‘__main__’: 

    app.run(debug=True) 

  

Ambas as respostas foram dadas pelo ChatGPT, que pode ainda ser usado na documentação de código, tarefa muitas vezes subestimada em processos de desenvolvimento de software e que pode ser inteiramente automatizada por LLMs. 

A OpenAI já utiliza programadores terceirizados em países do leste europeu e da América Latina para treinar seus modelos e ajudá-los a aprender a programar. Esse volume de indivíduos responderia a 40% da força de trabalho contratada pela startup no exterior, enquanto os outros 60% são responsáveis por tarefas de data labelling, em outras palavras, por treinar a máquina, ajudando-a a categorizar informação.  

Algumas previsões sugerem que em um futuro não muito distante a inteligência artificial será capaz de gerar códigos completos a partir da linguagem humana natural. Nesse cenário, produtos digitais poderiam ser usados por pessoas com nenhuma experiência em código (um longo passo adiante para as tecnologias de low-code e no-code) para criar funções apenas explicando sua visão para os programas. 

Em 2021, a OpenAI lançou, em beta privado, a API de uma nova versão do Codex, seu sistema que converte linguagem natural para código, e que também equipa o sistema Copilot do GitHub, uma ferramenta que auxilia programadores em sua tarefa ao completar sintaxes e ajudar na solução de problemas.  

Mas o potencial do uso de IA nesse campo vai muito além. Desenvolvedores já estão inclusive testando utilizar LLMs, como o GPT-3 da OpenAI, para substituir inteiramente (e com sucesso) o back-end de aplicações experimentais, o que aponta para os possíveis impactos radicais da introdução desse tipo de tecnologia no campo do desenvolvimento de software.  

Andrej Karpathy, ex-diretor de IA na fabricante de veículos elétricos Tesla, declarou em uma mensagem em seu perfil no Twitter: “A nova linguagem de programação mais quente do momento é o inglês”, em uma referência ao desenvolvimento de tecnologia capaz de traduzir instruções em linguagem natural para código.   

Educação

Uma das áreas que enfrentam os impactos imediatos das novas tecnologias de IA é a educação, ao ponto de diversas escolas públicas nos Estados Unidos terem bloqueado o acesso a esse tipo de ferramenta em seus computadores. A ação tem como objetivo impedir que alunos usem os chatbots para gerar respostas automáticas para trabalhos escolares, por exemplo, já que os resultados são altamente convincentes ao ponto de ser difícil discernir se foram mesmo escritos por uma pessoa ou pela máquina.  

Mas pesquisadores já avisam: ainda que empresas como a OpenAI estejam desenvolvendo tecnologias de “marca d’água” digital que têm o objetivo de dificultar a “cola”, esse tipo de medida tende a mitigar apenas temporariamente os impactos da inteligência artificial sobre a educação. O CEO da OpenAI afirmou em entrevista recente que a sociedade precisará se adaptar à nova realidade. Isso envolverá incorporar tecnologias de chatbot no processo de ensino, e criar outras maneiras de medir a aprendizagem dos alunos.  

A IA pode atuar como um tutor complementar, oferecendo a estudantes respostas sobre dúvidas que tenham sobre uma grande variedade de temas, por exemplo. Mas vale lembrar que os atuais modelos ainda apresentam graves erros factuais que precisam ser solucionados antes de a inteligência artificial poder ser incorporada ao processo de aprendizagem de forma mais consistente. 

Futuro dos LLMs e da Inteligência Artificial

Se todos esses casos de uso já apontam para um impacto extraordinário da inteligência artificial sobre diferentes setores da economia, vale lembrar que novos modelos mais potentes continuarão a ser lançados nos próximos anos (e meses).

No limite, líderes da inovação no campo da IA, como Sam Altman, da OpenAI, são explícitos em seu objetivo mais ambicioso: criar a chamada AGI (artificial general intelligence), uma espécie de Santo Graal nessa área de pesquisa.

Em termos simples, a AGI seria uma inteligência artificial tão capaz quanto a inteligência humana, ou mais. Não há certezas sobre quando esse tipo de desenvolvimento seria viável, nem se veremos algo do tipo algum dia. Mas os cientistas estão trabalhando duro para que esse cenário se concretize, e nesse caso, as implicações são impossíveis de se calcular.  

O próprio CEO da OpenAI admitiu que, mesmo para ele, é difícil prever os futuros impactos das novas gerações de inteligência artificial sobre a sociedade: “[os resultados podem ser] tão inacreditavelmente positivos que é difícil até para mim sequer imaginá-los” ou “falar sobre eles sem parecer um maluco”.  

A julgar pelo impacto do ChatGPT, equipado com uma tecnologia de dois anos atrás, é seguro afirmar que as transformações econômicas e sociais seriam tremendas, exigindo amplas discussões éticas e de segurança no uso desse tipo de ferramenta.    

Como as organizações podem se preparar para a revolução da IA?

É difícil prever a velocidade de desdobramento e, principalmente, das conquistas da pesquisa na área de inteligência artificial, e até que ponto essas tecnologias podem evoluir. Mas o impacto de produtos como o ChatGPT demonstram que as transformações sociais e econômicas causadas por elas já são uma realidade, e por isso é importantíssimo que as organizações estejam prontas. 

Ocorre, no entanto, que muitas empresas, mesmo as de grande porte, ainda têm dificuldade de se organizar nesse sentido. Ainda que a discussão em torno da IA evoque cenários de altíssimo desenvolvimento tecnológico, que às vezes soam como roteiros de filmes futuristas de ficção científica, existem hoje ações básicas que as empresas podem tomar que as preparam para as eventuais disrupções que certamente continuarão acontecendo.  

Lembrando: o elemento básico de trabalho das IAs são os dados disponíveis, e é comum que empresas não estejam ainda trabalhando com eles de forma adequada.  

Uma varejista será incapaz de otimizar seus fluxos de venda com inteligência artificial se não possuir dados históricos confiáveis de sua operação, bem organizados, categorizados e disponíveis para análise. Uma indústria que não realizar um trabalho adequado de sensoriamento de seu maquinário também não poderá usar esse tipo de tecnologia para tornar sua produção mais eficiente, entre outros exemplos.  

Essa tarefa envolve estabelecer uma governança específica para os dados, implementação de centros de excelência em advanced analytics, aculturamento da alta liderança, capacitação da força de trabalho, entre outras medidas práticas.  

E a sua empresa, como trabalha os dados atualmente, e se prepara para a iminente revolução da inteligência artificial sobre os negócios? 

MARCUS COUTO é consultor sênior de conteúdo na EloGroup e editor de EloInsights

GABRIEL RENAULT é senior partner e chief data & AI officer na EloGroup

LUÍS HUBER é partner e gerente sênior na EloGroup.

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