Por EloInsights
O especialista Sandro Valeri analisa o atual cenário do Corporate Venture Capital (CVC), o contexto brasileiro no mercado de capital de risco e fala sobre o lançamento da gestora Ahead Ventures.
Na entrevista a EloInsights, Valeri também destaca algumas das melhores práticas a partir de lições trazidas da experiência no Vale do Silício, nos Estados Unidos, e no Brasil.
Ele aponta ainda estratégias para executivos brasileiros tirarem o máximo de proveito ao decidir investir no ecossistema de inovação e em startups.
O Corporate Venture Capital (CVC) – prática onde grandes empresas investem em startups como forma de gerar inovação e capturar seu valor para a organização – é uma tendência do ecossistema empreendedor brasileiro. “O movimento de profissionalização já começou no Brasil.
Ainda assim, quando se fala em CVC, é novidade total!”, afirma Sandro Valeri, sócio-fundador da Ahead Ventures e especialista com longa experiência na realização de projetos de Corporate Venture Capital.
Neste artigo, você verá mais informações sobre esse conceito e também uma entrevista completa com Sandro Valeri, PhD em Engenharia e coordenador de centenas de projetos de inovação no Brasil e internacionalmente. Confira!
Corporate Venture Capital (CVC) no Brasil
Para se ter uma ideia da escala global, estudos da CB Insights indicam um crescimento de 133% do CVC ano a ano. Estima-se que tenham girado US$ 65 bilhões com esse tipo de investimento de risco em startups no primeiro semestre de 2022. Segundo o Pitchbook, o mundo já registra investimentos na casa de US$ 280 bilhões em capital de risco no primeiro semestre deste ano.
No Brasil, essa cifra está em torno de R$ 6 bilhões no 1º trimestre – sendo o CVC ainda pouco relevante nesse montante, segundo dados da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) e da KPMG.
Sandro Valeri e a Ahead Ventures
PhD em Engenharia, Valeri atuou por 18 anos na Embraer, onde foi responsável por coordenar centenas de projetos de inovação. Entre os mais relevantes, tornou-se cofundador da EmbraerX, além de ter liderado a concepção do negócio das aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical (eVTOL) – veículos conhecidos como “carros voadores” e, no caso da Embraer, em desenvolvimento pela Eve, com IPO realizado por US$ 2,3 bilhões.
Ele contou novidades sobre a Ahead Ventures, gestora especializada em CVC, que em poucos meses de história já conquistou 8 unidades de CVCs com R$ 2 bilhões de asset under management. O cartão de visita para o mercado é um track record de R$ 235 milhões já investidos em 41 startups pelos seus sócios via Venture Capital (VC) e CVC, além dos 2 investimentos pela própria Ahead.
Com a experiência de ter avaliado milhares de startups em nove países, as lições aprendidas no Vale do Silício (Estados Unidos) e início muito acelerado da Ahead Ventures, o executivo afirma que este é o momento de empresas investirem no CVC como forma de marcar posição em cenários de futuro e entrar na disputa pelos melhores empreendedores.
“O CVC é a forma mais sofisticada de inovação aberta”, diz Valeri a EloInsights. “E é muito pragmático do ponto vista de negócio, já que, uma vez que se investe em uma startup, ela passa a fazer parte de seu ecossistema de negócios, ampliando as suas fronteiras.”
Ele faz ainda um alerta: para inovar, os executivos brasileiros precisam aprender a não sufocar os empreendedores e a ressignificar a relação cliente-fornecedor. Confira a conversa completa a seguir:
Lançamento da Ahead Ventures e experiência com CVC
A Ahead Ventures foi criada em parceria com a PortCapital, primeira gestora de Corporate Venture Capital do Brasil, e com o Banco Fator, especializado em M&A (Mergers and Acquisitions) e em fundos de investimentos. Além disso, foi aportada também a experiência em consultoria da EloGroup.
Com mais de 600 pessoas por trás, a Ahead tem todo o conhecimento de gestão empresarial, um background sólido de M&A e capital de risco, com total acesso a tais ferramentas.
Sandro Valeri:
O nosso modelo veio muito da minha experiência, de uma dor minha lá nos Estados Unidos durante a criação do Catapult Ventures. O crítico e fundamental no CVC é conseguir criar e fazer funcionar uma alavancagem estratégica entre a startup e a corporate. Esse é o segredo.
Ajudamos a criar a estratégia, criamos o Corporate Venture Capital (CVC), em alinhamento com a estratégia da empresa, e o centro é estarmos juntos para viabilizar o crescimento sustentável.
São dois tipos de trabalho: pela parceria com a EloGroup, estruturamos o CVC com todas as lições aprendidas dos trabalhos anteriores, com estudo de mercado e consultoria estratégica; depois, estruturamos para chegar no modelo, na tese, no veículo de investimento, na governança, na decisão, no plano de geração de valor e sinergia. Contratar e trabalhar com uma startup já é difícil, porque dentro da grande empresa existe ainda falta de conhecimento e de processos. Quando é investimento, é pior ainda. Temos que criar mecanismos para que a alavancagem estratégica aconteça em todos os níveis.
Por que eu estou trazendo essa dor? Porque a nossa proposta de valor é em cima dela. Ajudamos a empresa, além de fazer a startup crescer; entramos para fazer a alavanca acontecer. Por isso o nome da gestora é Ahead: à frente e uma cabeça só, os dois juntos desde o começo.
Diferenças entre Corporate Venture Capital (CVC) e o Venture Capital (VC) tradicional
O Corporate Venture Capital (CVC) se caracteriza por uma empresa adquirindo participação minoritária [em uma startup]. Essa é a diferença central. A segunda diferença está no resultado esperado.
Quem investe em um fundo de Venture Capital (VC) espera retornos em altíssimos múltiplos; lucros de dezenas de vezes na hora de uma possível venda da participação, por ser um investimento de risco.
Sandro Valeri:
O CVC é diferente, porque a empresa espera obter vantagem estratégica, além do resultado financeiro. Aqui são levadas em consideração, principalmente, as incertezas do negócio, tanto em questões internas quanto em relação ao mercado.
Ele é voltado para negócios nascentes, inovadores e mercados que ainda geram incerteza. A empresa adquire um equity pequeno, dilui o portfólio dela, e assim aproxima-se da startup. Dessa forma, elas podem trabalhar junto para, aí sim, adquirir a segurança necessária para aumentar a profundidade da parceria mais à frente.
É uma forma da empresa entrar em um mercado de alto risco, como é o das startups, e diluir esse risco. Você consegue segurança, porque traz um portfólio e [dentro dele] alguns investimentos vão dar certo, e outros vão dar errado.
O interessante é que, normalmente, o CVC dá mais certo. A partir do momento em que a empresa investe, as startups ganham acesso às alavancas e crescem mais rápido e com sustentabilidade. Quem busca investimento no Venture Capital (VC) é aquela startup que visa crescer rapidamente, virar unicórnio e disruptar o mercado.
Qual a relação entre inovação e Corporate Venture Capital?
O CVC é a forma mais sofisticada de inovação aberta. Dentro da inovação, é a ferramenta que dá acesso ao que acontece de mais diferente. É um braço de aposta e de crescimento daquilo que é mais disruptivo.
Sandro Valeri:
A startup é inovação, é aquilo que a empresa ainda não tem competência para fazer. É um modelo de negócio ou uma tecnologia que a empresa grande nunca viu na vida, ou seu viu, não sabe como chegar lá. A startup é para o diferente. Onde tem incerteza, é ali que se joga o CVC.
Acredito que as empresas já estão prontas para absorver a capacidade inovadora das startups. O movimento de profissionalização começou no Brasil. Ainda assim, quando se fala em CVC, podemos dizer que é novidade.
O impacto do Corporate Venture Capital no cenário brasileiro de investimentos
A participação do governo, universidades, capital de risco, empresas e empreendedores é essencial para que qualquer ecossistema de inovação funcione, no Brasil e no mundo. Em nosso país, o capital de risco e os empreendedores estão caminhando para um cenário mais efetivo.
A entrada da empresa como capital de risco é essencial para o CVC. Ela apoia duplamente o ecossistema, expondo suas necessidades e injetando capital para honrar com esse processo. Dessa maneira, começam a surgir empreendedores que criam tecnologias e modelos de negócio a partir de suas necessidades.
Sandro Valeri:
Olhando para o micro da empresa, o CVC é uma ferramenta de aposta e, ao mesmo tempo, tem mecanismos interessantes. No momento em que se aposta em uma startup, marca-se uma posição naquele mercado e já inicia a alavanca de sinergias.
O diferencial do ecossistema brasileiro, que está crescendo, é que hoje tem mais capital disponível do que bons empreendedores. Se a empresa investir em um CVC, consegue competir pelos melhores empreendedores. Senão, não vai ter acesso [aos melhores] de jeito algum.
Aqui explodiu o volume de investimento em capital de risco como um todo, mas tanto VC como CVC ainda é um volume pequeno, se comparado com o mundo. Esse total vem crescendo aos múltiplos, ano a ano, mas ainda não chega a 2% do volume global de capital de risco. Foram investidos R$ 6,4 bilhões em capital de risco no Brasil no primeiro trimestre deste ano.
EloInsights: Então, o que se desenha é o Corporate Venture Capital tendo um impacto bem relevante no sistema de inovação brasileiro nos próximos anos?
Se você pensar no mundo inteiro, o CVC já atingiu US$ 65 bilhões de investimento. Aqui estamos falando dos grandes: Google, Intel, Microsoft, que entram com dinheiro para valer. No Brasil, o CVC corresponde a uma parcela ainda muito pequena do total de capital de risco.
Mas, conversando com alguns parceiros que também gerenciam CVCs no mercado brasileiro, conseguimos somar R$ 4 bilhões que capital comprometido disponível para investimentos. Então, se olharmos para o mundo, a indústria aqui vai crescer muito ainda.
Como fazer o investimento em CVC no Brasil
Sandro Valeri:
O investimento a partir do balanço predomina no mundo, não só no Brasil. E devido à relação cliente-fornecedor, em que prevalece o desejo de mandar na coisa toda. Se faz no balanço com o objetivo de comprar.
Nos ecossistemas maduros, os CVCs de sucesso costumam estruturar fundos.
O fundo traz aquela vantagem do portfólio. No balanço, você não faz portfólio, você faz aquisição. Eu gosto sempre de comparar com investimento pessoal: a diferença entre colocar num fundo de investimento ou no balanço é a mesma de você colocar em derivativo ou colocar num fundo de ação.
No derivativo, você vai perder, provavelmente. No fundo de ação, você pode até perder, mas não vai perder tudo.
A empresa que já trabalha com CVC há muito tempo tem muitos fundos: vinte, cinquenta fundos. É o caso de Google e Intel. Um bom fundo de CVC acompanha bem as startups, tem uma equipe que fecha e define muito bem um objetivo estratégico.
EloInsights: O melhor caminho é apostar em poucas startups e dar tiros mais certeiros ou ter uma abordagem mais granular, abrangendo um território maior?
Recomendo que, no início, o investimento seja o mais próximo possível do core business para que o resultado venha rápido. Não começaria jamais com um fundo focado em inovação disruptiva, porque o resultado vai demorar dez, quinze anos para chegar. Próximo do core, conseguimos plugar as startups rapidamente e o resultado começa no dia seguinte. Se for muito diferente do core, se botar para dentro, pode ocorrer resistência pelo core.
O segundo ponto é que, para cada fundo, você tem um número mágico para dar certo: entre dez e quinze investidas, no máximo. Assim, o time consegue dar foco em cima daquela estratégia, faz as alavancas estratégicas acontecerem. Por exemplo, eu vim da Embraer, que está indo para o quarto fundo. Cada um tem seu time, cada um tem seu jeito.
Então, para começar, o importante é definir muito bem o objetivo estratégico. Em segundo lugar, é começar para valer. Aqui no Brasil está difícil encontrar os melhores empreendedores, então se você começar pequeno, nunca vai chegar nos melhores e não vai ter condição de competir. É começar para valer, jogando grande!
Empresas, startups e o CVC
É impossível dizer quando a startup passa a ser a corporação e se torna Corporate Venture Capital. Há startups que, mesmo após receberem uma rodada de investimento, já montam um CVC.
Sandro Valeri:
Todas as empresas deveriam considerar apostar nessa iniciativa, sem exceção. O CVC não está relacionado com investimento em digital, está relacionado com inovação. Se você considerar o Brasil, mais de 90% do investimento é voltado para o digital, mas, nos Estados Unidos, [o digital] já está quase meio a meio com life science.
Há também muito investimento em tecnologia aeroespacial, em hard science. E aí começamos a vislumbrar a próxima mudança global. A maior parte de investimento do Google, em CVC, vai para empresas de genética e biologia sintética.
É uma nova forma de estruturar os negócios, sempre com esse ponto avançado, com aquele ponto de incerteza. Como o portfólio te dá uma proteção financeira, você não vai perder dinheiro como um todo. Ao criar uma estrutura, uma fonte de Corporate Venture Capital, você consegue marcar posições no mercado, começa a trabalhar junto, a entender a tecnologia.
Ganha tempo para entender o empreendedor, enquanto marca posições de futuro e, ao mesmo tempo, diminui o risco financeiro. O que dá certo você puxa para dentro, o que não dá certo pode ser vendido.
EloInsights: Quais os ganhos do lado da startup?
O principal ganho do Corporate Venture Capital para as startups é o acesso às alavancas, além do dinheiro. Por exemplo, uma grande varejista tem loja, distribuição e logística no Brasil inteiro, além de um e-commerce superpoderoso. Ou seja, uma startup tem, de uma hora para outra, esses canais para sair vendendo.
Outro tipo de alavanca muito comum é o P&D (pesquisa e desenvolvimento). Falando de empresas como Petrobras, Embraer, a startup consegue se alavancar em cima do conhecimento já existente, seja por mentoria, seja por meio de contatos.
E tem desafio também, dependendo da maneira como se faz o CVC. No mundo ocidental como um todo, existe uma relação cliente-fornecedor complicadíssima, que é sempre de apertar o fornecedor. E isso não é diferente quando aparece uma startup frente a uma grande empresa. A primeira reação é apertar a startup e, se apertar, ela não cresce. Se baixar a governança e começar a definir o que o empreendedor tem que fazer, acabou a startup.
Isso é um grande risco para o Brasil. A gente vem conversando aqui com os diretores de empresa e o drive do executivo brasileiro é querer comprar e mandar. Quem trabalha com inovação já entende melhor. Os CEOs estão começando a perceber. Mas quem é dono de empresa quer tomar conta e controlar tudo. É um grande desafio.
Em ecossistemas maduros, inclusive, é comum que após certo tempo a startup passe a concorrer com a grande empresa, porque existe esse conceito de que tem que ser tudo aberto. O pessoal não se importa de criar, de investir e, de repente, virar um concorrente.