Por Pedro Costa Ferreira
- Hoje, Customer Experience é elemento-chave de estratégia de diferenciação em todas as indústrias, especialmente em mercados maduros com baixa oportunidades de diferenciação de produtos.
- Métrica de Net Promoter Score (NPS) tem sido usada por organizações de diferentes naturezas, de alguma maneira, para medir a satisfação e a fidelidade do consumidor.
- Disciplinas de Advanced Analytics podem ser usadas para aprofundar no entendimento da jornada do consumidor dentro de um contexto de CX.
A experiência do consumidor (CX), desde a sua introdução como um conceito, evoluiu como um elemento-chave de estratégia de diferenciação em todas as indústrias, especialmente em mercados maduros com baixa oportunidades de diferenciação de produtos. Setores tradicionais como o bancário, varejista, hoteleiro, de telecomunicações, assim como as corporações do mundo digital moderno reconhecem o papel da CX como parte crucial do sucesso de seus negócios.
O que é customer experience (CX)?
Podemos definir a CX como resposta subjetiva que os clientes têm ao contato direto ou indireto com uma empresa e seu produtos. Ela está intimamente relacionada ao gerenciamento de fidelidade do consumidor e é medida por meio de diferentes metodologias, como a aplicação de pesquisas baseadas em métricas com o objetivo de mensurar a satisfação geral do cliente, intenção de compra ou tendência de recomendação.
Desde a publicação do seminal artigo de Frederick Reichheld, The One Number You Need to Grow (2003), o Net Promoter Score (NPS) tem sido usado por organizações de diferentes naturezas, de alguma maneira, para medir a satisfação e a fidelidade do consumidor.
O NPS é medido a partir da resposta do cliente a respeito da probabilidade de ele/ela recomendar a empresa/produto para outras pessoas. A escala vai de zero a dez. Quando uma resposta é de nove ou dez, esse cliente é enquadrado sob o título de “promotor”; quando ele/ela responde com um sete ou oito, é chamado “passivo”; no restante da gradação, um “detrator”.
O NPS é calculado a partir da porcentagem de promotores menos a de detratores. Apesar de ser uma métrica simples e amplamente utilizada, o NPS é apenas um termômetro. Quando o score é baixo, ele indica a “febre”, mas entender mais profundamente as causas-raízes da doença é uma necessidade que esse indicador não responde. O problema é que medir a satisfação do cliente não diz a ninguém como alcançá-la.
Neste artigo, vamos explorar as limitações do NPS, e como competências de Advanced Analytics são capazes de nos habilitar a aprofundar nas especificidades dessa métrica, utilizar abordagens mais complexas, produzir insights mais ricos, assertivos, e assim direcionar as ações do negócio de forma mais precisa.
Como o Advanced Analytics pode ser aplicado a CX?
Pense em uma empresa de telecomunicações, por exemplo. A jornada do consumidor abrange os principais vetores que influenciam sua satisfação, como qualidade de sinal (e.g. estabilidade da ligação, cobertura), produto (e.g. custo-benefício, variedade de aplicativos que não descontam na internet), fatura (e.g. prazo de recebimento da fatura, fatura com os valores corretos), recarga (e.g. processo de recarga), comunicação (e.g. comunicação da operadora via SMS ou ligações, clareza na cobrança).
Contudo, sob a ótica do cliente, suas percepções não são tão bem definidas dentro de cada vetor. A maneira como o cliente percebe o serviço é relativamente abstrata e muda consideravelmente dependendo das características individuais dos usuários e fatores externos. Nem todos os pontos de contato têm valor equivalente.
Por exemplo, o cliente vivencia um problema de cobertura de sinal ao viajar e não conseguir acessar alguma função em seu celular. Porém, a maneira como ele percebe essa frustração pode variar muito.
Algumas possibilidades: (i) o cliente acredita que esse é um problema de sinal ou de produto (o plano contratado pode ter sido muito básico)? (ii) ele está viajando a trabalho ou passeando com a família? Se a trabalho, o cliente pode estar frustrado pois não conseguiu fazer boas ligações ou porque o aplicativo de videochamadas apresentou instabilidade, mas, se ele está a passeio, apps de navegação por GPS, streaming de música ou filmes podem ser mais importantes; (iii) se for o filho adolescente que está viajando de carona, talvez as redes sociais e o Twitch sejam mais importantes; (iv) e se o consumidor tem mais idade e desliga o celular para viajar? Este nem percebe o problema de sinal.
Portanto, a experiência do consumidor é múltipla e fragmentada, e depende não apenas do atendimento, mas principalmente de como ele percebe esse atendimento. E características individuais como idade, sexo, renda, região, e fatores exógenos como situação da economia, clima e sazonalidade, têm peso importante na resposta do NPS.
Não levar em consideração todas essas peculiaridades e tentar entender o NPS apenas através de análises bivariadas pode levar a um diagnóstico incorreto sobre as causas-raízes. É preciso sempre lembrar do Paradoxo de Simpson, o qual demonstra que a tendência ou resultado que está presente quando os dados são colocados em grupos, se inverte ou desaparece quando os dados são combinados.
Sob a ótica da empresa, as perguntas são diferentes e buscam sempre entender com maior profundidade a experiencia do consumidor. A empresa está se perguntando, por exemplo, se “a cobertura em estradas é um fator importante para o cliente”. Nesse caso, o desafio do negócio é fazer as perguntas corretas e buscar variáveis proxies mensuráveis que permitam inferir de maneira correta as percepções dos consumidores.
Percebe-se que o NPS é o resultado de uma complexa relação de variáveis que influenciam a resposta de cada cliente, e compreender as principais alavancas dessa métrica é uma jornada analítica extensa.
Quais competências são necessárias para aprofundar o entendimento da jornada do cliente?
Encarar o desafio exige múltiplas competências, maturidade analítica e um time multidisciplinar de primeira linha.
É preciso: (i) conhecer a jornada do NPS e entender o que pode impactá-lo qualitativamente (e.g. exercícios de design thinking podem ajudar a levantar possíveis hipóteses sobre o comportamento dos consumidores); (ii) conhecer as limitações estatísticas e aplicar algoritmos de machine learning para responder, de maneira mais acurada, qual é a verdadeira “dor do cliente”; (iii) ter grande conhecimento sobre a operação e estruturar um datalake (repositório centralizado de dados de qualidade) com informações importantes dos consumidores.
Como diria o estatístico Edwards Deming: “In God we trust; All others must bring data”.
É preciso também: (iv) conhecer e ter bastante experiência trabalhando com as variáveis-proxy que ajudam a explicar o sentimento da experiência do consumidor (e.g. quais são as variáveis mensuráveis que posso usar no meu modelo e que ajudam a explicar uma determinada experiência do consumidor?); (v) saber que há uma falta de associação clara e precisa entre o NPS e as pontuações dos atributos CX.
Uma survey da literatura de modelagem do NPS mostra a dificuldade de se modelar essa variável. Métricas estatísticas como a acuracidade, o recall e a precisão ficam em torno de 50% na maioria dos artigos publicados.
É importante entender que (vi) a presença de vieses nas respostas do NPS da jornada do cliente cria dificuldades para a compreensão completa das alavancas de crescimento. É amplamente discutido na literatura problemas na pesquisa do NPS.
Por exemplo, a representatividade do grupo de usuários que responde às pesquisas de NPS frente à base completa é um dos diversos problemas discutidos na literatura associada. Talvez, apenas um tipo específico de pessoa esteja disposto a preencher esses formulários, e isso pode tornar os resultados tendenciosos.
Outros problemas são a falta de entendimento sobre o que está sendo perguntado (as pesquisas que monitoram a jornada do cliente são extensas e as perguntas nem sempre são claras) e o desgaste dos usuários para responder a questionários mais extensos (respondent burden).
Tais competências nos habilitam a utilizar abordagens mais complexas, gerar insights cada vez mais ricos e assertivos acerca do NPS e, sobretudo, direcionar de maneira precisa ações para o negócio. O Advanced CX Analytics deve ser trabalhado em três frentes principais, cada uma com suas vantagens e limitações e atendendo a diferentes questionamentos do negócio.
São elas: (a) Medição do NPS e Indicadores de Negócio; (b) Estudo do NPS a Nível de Jornadas e (c) Modelagem do NPS a Nível de Cliente.
Como trabalhar as principais frentes de Advanced CX Analytics?
Na frente de Medição do NPS e Indicadores de Negócio, o time de Engenharia de Dados trabalha para disponibilizar os dados e os demais indicadores técnicos para correlacionar ao NPS e o time de Analytics gera insights para o negócio. Com o grande volume de informações, bilhões de linhas nas bases de dados, aplica-se tecnologias voltadas para big data e combina-se Python e Spark para exploração dos resultados de NPS.
De novo, apesar de o NPS ser relativamente fácil de medir, ele ainda é apenas um termômetro. Correlacioná-lo com variáveis de negócio não é trivial, mas gera insights significativos para os nossos parceiros. Por exemplo, é possível modelar, ranquear e priorizar implantações junto aos fornecedores de tecnologia, nos “melhores” sites considerando variáveis de maior impacto no NPS.
Quando avançamos para o Estudo do NPS a Nível de Jornadas, fazemos uma análise mais macro e através da correção de vises conseguimos tratar os resultados das pesquisas de NPS relacional e capturar os clientes “mais conscientes”. A ideia é simples, a execução nem tanto, mas como nós já conhecemos alguns problemas das pesquisas, trabalhamos para limpar as respostas “erradas” e obtermos respondentes conscientes.
Por exemplo, se o indivíduo respondeu 10 (dez) para o NPS e 0 (zero) para as demais perguntas, esse respondente não entendeu a pesquisa ou não respondeu de forma empenhada. Qualquer que seja o motivo, a tendência é que essas respostas gerem apenas ruídos na análise e precisem ser descartadas. Tal esforço vale a pena pois, além de diminuir o viés, reduz a alta colinearidade (duas ou mais variáveis variam de maneira muito similar entre si) existente entre as variáveis da pesquisa relacional, permitindo a análise preditiva entre detratores e promotores pelos atributos da pesquisa relacional.
Os insights são interessantes e podem ser complementados aplicando processamento de linguagem natural (NLP) nos comentários dos clientes em diferentes canais da empresa parceira, deixando a análise mais robusta e os insights ainda mais assertivos.
Outro desafio é modelar o NPS a Nível de Cliente. Entender esse problema de equilíbrio geral e modelá-lo está longe de ser uma tarefa trivial, mas os resultados tendem a ser compensadores.
Nessa fase, é preciso entender que a nota que o cliente dá no NPS não depende apenas de uma ação da empresa, mas sim de um conjunto de fatores, como características pessoais (e.g. gênero, raça, idade), percepção sobre todas as jornadas da empresa (e.g. comunicação com a operadora, clareza na cobrança) e características sociodemográficas (e.g. população do município, IDH).
Além de fatores externos (situação econômica, sazonalidade), variáveis latentes (e.g. humor no dia em que está respondendo a pesquisa), variáveis-proxy que consigam fazer a conexão entre o sentimento do cliente e o negócio (e.g. intensidade de sinal, quantidade de sites trafegados) e ações das empresas concorrentes (e.g. o cliente pode comparar o nível de sinal de sua prestadora de serviço com o sinal da empresa concorrente).
Quais os resultados da aplicação de Advanced CX Analytics?
Os resultados são promissores e permitem análises interessantes como, por exemplo, simular o NPS de toda a base da empresa e em cidades onde não há pesquisa. É possível também inferir quais são os principais fatores ofensores do NPS e calcular o impacto líquido das ações e com mais assertividade nos investimentos.
É importante deixar claro que por uma questão ética e de LGPD, a empresa não vai usar os resultados dos modelos para criar ações para nichos específicos de clientes. O objetivo de modelar a nível de cliente é conseguir extrair as elasticidades que nos dão o efeito líquido de cada ação (e.g. melhorar o sinal em 2 p.p. aumenta o NPS em 0,5 ponto) e dessa forma, conseguir ter mais assertividade nos insights e direcionar com mais precisão as ações do negócio.
Implementar e dar cadência às três abordagens que discutimos neste artigo é uma tarefa complexa e exige que muitos stakeholders estejam engajados com os potenciais resultados das iniciativas. Por ser tão difícil de modelar e por apresentar tantos vieses, os resultados só aparecem com persistência e iterações sucessivas.
É um continuum de hipótese de negócio, melhoria da medição, negação ou comprovação da hipótese pelos dados e então experimentação na vida real para comprovar a teoria que os dados apontaram. Só assim é possível gerar insights que realmente mexem o ponteiro do NPS.
Por fim, vale lembrar que, embora a experiência do cliente continue sendo um diferencial importante para todas as empresas, os dados e a IA se deslocam cada vez mais para o centro no sentido de garantir que as expectativas elevadas dos clientes conectados de hoje sejam atendidas.
Montar o quebra-cabeça que discutimos ao longo deste artigo e entender as causas-raízes das inúmeras variações e especificidades na jornada de experiência do cliente é condição sine qua non para a sobrevivência de longo prazo. E na sua empresa? Como está o Advanced CX Analytics?
PEDRO COSTA FERREIRA foi diretor de data & analytics na EloGroup.