Por Octaciano Neto
- O aumento da população e a pressão por mais alimento é um dos grandes desafios da sociedade atualmente.
- Ao mesmo tempo, a demanda por produtos mais sustentáveis também cresce.
- Alavancas digitais no agro apontam para um novo salto de produtividade e para a resposta a esses desafios contemporâneos.
A agenda de transformação da agroindústria mundial está pautada na agenda de transformação da própria sociedade. O aumento da demanda por alimentos, sustentada pelo aumento da renda e do crescimento populacional, além das novas preferências dos consumidores, são agentes de pressão que movimentam as mudanças neste ecossistema. A população passará de 7,8 bilhões para 10 bilhões de pessoas em 2050. Além disso, ainda temos 1 bilhão de pessoas no mundo que passam fome.
Na China, mais de 200 milhões de habitantes saíram do campo e foram para as cidades em 20 anos – o equivalente em população a quase um Brasil que se urbanizou em duas décadas. De acordo com o Banco Mundial, mais de 500 milhões de pessoas saíram da pobreza na China; o percentual da população em situação de pobreza extrema caiu de 88% em 1981 para 6,5% em 2012.
Se o crescimento de demanda em si é um enorme agente de pressão, a sociedade também possui novas preferências: produtos saudáveis, funcionais, frescos, orgânicos e neutros em carbono. Temas como a maior conscientização sobre os impactos do consumo de alimentos no contexto do meio ambiente, confiabilidade, transparência, rastreabilidade e baixo impacto socioambiental ganham força.
No Grupo Pão de Açúcar, um terço dos hambúrgueres congelados vendidos já é vegetal. A “foodtech” NotCo, que reproduz o sabor de alimentos como leite, maionese e hambúrguer em versões à base de plantas, se tornou o primeiro unicórnio chileno e hoje tem valor de mercado de US$ 1,5 bilhão.
Quando olhamos para as mudanças “atrás da porteira”, esse movimento é perceptível: o mercado de biodefensivos, por exemplo, cresce mais de 20% ao ano. O faturamento estimado para 2030 é de R$ 3,69 bilhões. Em 2019, foi de R$ 946 milhões, segundo recente estudo da CropLife/Blink. Apesar de haver razões agronômicas para o crescimento deste mercado, há também muitas razões ambientais, de preferências do consumidor final do alimento.
Claro que há diferentes formas de enxergar essas questões dentro da sociedade, a depender da renda de cada família. As agendas são diferentes.
Como navegar pelas transformações no agro
Considerado todo esse contexto, alguns aceleradores farão a diferença aos que desejam se posicionar de forma competitiva neste mundo em ebulição: transformação digital, novas formas de comercialização, de configuração da cadeia de valor, além de novas tecnologias.
A EloGroup entende que não basta olhar para o agronegócio e trazer o digital para transformá-lo. É necessário colocar o digital no centro – pensar o negócio a partir dessa “lente“. O novo paradigma do agronegócio permite a combinação de dados robustos, o que proporciona ao usuário uma experiência intuitiva, com “insights” em tempo real e inteligência preditiva de alta precisão.
Já existem boas experiências entre empresas que pensam novas formas de comercializar seus produtos. A mineira Cara Preta, por exemplo, já utiliza o conceito “farm to fork” (“da fazenda ao garfo”, em tradução livre), que está no cerne do Acordo Verde Europeu, e que visa tornar os sistemas alimentares mais justos, saudáveis e benéficos ao ambiente. A brasileira JBS possui mais de 100 lojas físicas da Swift na Grande São Paulo, fazendo venda direta ao consumidor final, sem passar pelos supermercados e açougues. No início de agosto, foi inaugurado no Campo Limpo, periferia de São Paulo, o Sacolão Orgânico na Favela, que aproxima o produtor do cliente final.
Existem também novas configurações da cadeia de valor em curso. A Claro e a John Deere, por exemplo, anunciaram no final do ano passado um projeto em conjunto para levar conectividade ao campo. Não é trivial uma parceria entre uma gigante das telecomunicações com outra gigante fabricante de tratores, máquinas e equipamentos.
A inovação aberta permite o desenvolvimento de novos negócios entre grandes empresas consolidadas e pequenas startups. Este conceito, criado por Henry Chesbrough, professor da universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, e autor de um livro com o mesmo nome, explora a possibilidade de colaboração mútua entre empresas, pessoas e governos. Mais uma vez, essa ideia não é trivial, visto que o modelo tradicional de pesquisa e desenvolvimento concentrava dentro dos muros corporativos todo o processo de inovação.
Por fim, novas tecnologias disruptivas podem transformar o setor, com novas alavancas digitais que vão para o centro decisório das empresas: inteligência artificial e analytics, hiperautomação (tecnologias de robotização e gerenciamento de processos conhecidas pelas siglas RPA e BPMS), precificação dinâmica, força de vendas digitalizada, Internet das Coisas, blockchain, entre outras.
A Pink Farms, por exemplo, maior fazenda vertical urbana da América Latina, na Vila Leopoldina, ao lado da movimentada Marginal Tietê, na cidade de São Paulo, já é uma realidade. Outro caso é o da foodtech israelense Aleph Farms, especializada em carne “cultivada” em laboratório, que recebeu investimento da BRF.
São profundas as mudanças no setor do agronegócio. E a maior parte das agroindústrias está apenas dando os seus primeiros passos. Transformar a cultura corporativa em empresas com dezenas de milhares de colaboradores é um enorme desafio. Muitas irão brilhar, liderar neste novo mundo. Outras, infelizmente, ficarão pelo caminho.
OCTACIANO NETO é diretor de Agronegócio na EloGroup