Por EloInsights
- O amadurecimento e consolidação de tecnologias digitais em saúde abriu janelas de oportunidade para que as organizações impulsionem sua atuação, considerando as lentes de pertinência, desfecho, experiência do paciente e custos.
- Por outro lado, o atual modelo de saúde do Brasil se mostra insustentável, com interesses antagônicos entre os players, pouca transparência e fragmentação da jornada do paciente.
- O Digital Health Report da Aggir Ventures e EloGroup apresenta 10 jazidas de valor que têm o potencial de alavancar a transformação digital da saúde do Brasil, revisitando os pilares estruturantes do mercado e gerando valor para todos os stakeholders.
No primeiro semestre de 2020, quando o vírus da Covid-19 levou ao fechamento de comércios e espaços públicos no Brasil, depois de ter gerado lockdowns no mundo todo, e os números de casos de pessoas infectadas disparou, o país precisou enfrentar uma dura e preocupante realidade: a de uma pressão sem precedentes sobre o sistema de saúde público, mas também sobre o sistema de saúde suplementar, o conjunto de serviços operados por empresas privadas à população.
Esse aumento repentino na demanda evidenciou problemas estruturais que, ainda hoje, passada a fase mais crítica da pandemia, oferecem riscos de um colapso do sistema de saúde privado. Ao mesmo tempo, o surgimento de um conjunto de novas tecnologias digitais, como análise avançada de dados, inteligência artificial, o amadurecimento de softwares de gestão de jornada, mais implantes e equipamentos de monitoramento de sinais vitais, oferece uma oportunidade ímpar no enfrentamento de problemas históricos da saúde brasileira.
Isso explica, junto a uma grande oferta de liquidez no mercado internacional de venture capital nos últimos anos, e queda dos juros nominais para o menor nível histórico, a explosão do setor de healthtech no Brasil, formado por startups que se propõem a usar tecnologias digitais para atacar as dores desse mercado.
Hoje, o mercado de healthtech no Brasil tem o maior número de startups depois dos setores de fintech e retailtech, com destaque para um boom nos últimos anos.
É nesse contexto que a Aggir Ventures, fundo de Venture Capital independente focado em saúde digital, e a EloGroup, plataforma de transformação de negócios que combina competências de Technology, Analytics e Management para tornar negócios estrategicamente digitais, lançaram o Digital Health Report, um relatório único no setor que lança luz sobre as 10 principais jazidas de valor que têm o potencial de transformar a saúde no Brasil, dentro de três grandes categorias: novos modelos assistenciais, eficiência e transformação digital, e descentralização.
“Saúde é um dos principais setores em crescimento atualmente no Brasil e no mundo, principalmente pela digitalização, consolidação e expansão de novos serviços no mercado. Mas, dado o tamanho e a diversidade de empresas e tecnologias existentes, nem sempre é fácil saber onde estão as jazidas de valor, seja como um executivo que está querendo focar sua estratégia e como um empreendedor atrás do seu Unicórnio. O Digital Health Report endereça exatamente essa questão, apresentando as principais apostas em cada elo da cadeia do setor de Saúde”, diz Davi Almeida, diretor-executivo da EloGroup.
O report foi elaborado a partir de uma extensa pesquisa que contou com mais de 30 entrevistas em profundidade, realizadas com os principais stakeholders desse mercado, entre eles líderes da área médica, hospitais, clínicas e laboratórios, operadores, fornecedores e fabricantes, distribuidores e investidores.
“O report identifica as grandes dores do setor e demonstra como o uso de tecnologia e a transição para um sistema de saúde digital podem ajudar a resolver muitas ineficiências da saúde brasileira”, afirma Renato Ferreira dos Santos, sócio da Aggir Ventures. “Além disso, a apresentação das Jazidas de Valor contribui tanto para empreendedores na construção de seus negócios, como para investidores de healthtechs na análise e compreensão do setor”, complementa.
Nesse levantamento, foram identificados seis principais pontos de atenção:
- A saúde no Brasil ainda é vista na perspectiva do tratamento e controle de danos, e não da prevenção;
- O modelo fee-for-service, que cobra pelos serviços executados, predomina;
- Não há um aprofundamento da visão de saúde populacional, o que dificulta o melhor direcionamento de perfis específicos de pacientes para linhas de tratamento adequados;
- Há uma fragmentação na experiência do paciente, que poderia ser aprimorada com uma jornada omnichannel com canais conectados dialogando entre si;
- As novas tecnologias existentes ainda não foram totalmente integradas à dinâmica de prestação de cuidados;
- Há um baixo nível de captura e digitalização de dados por parte das organizações de saúde.
É importante destacar que esses pontos de atenção se desdobram em uma série de elementos que, no limite, fazem com que o sistema de saúde suplementar brasileiro se torne insustentável no longo prazo:
- Conflito de interesses entre stakeholders provocado pela lógica fee-for-service.
- Oferta crescente em um contexto de demanda estável.
- Pressão por mais eficiência, num cenário em que os custos crescentes não podem mais ser repassados aos consumidores, o que leva a uma priorização de ganhos no curto prazo, em vez de uma lógica focada no horizonte mais distante.
- Outros elementos como envelhecimento da população, desvalorização do real e questões judiciais.
A conclusão é que esse cenário demanda uma total reinvenção das atuais premissas do sistema, na forma de uma série de novos pilares estruturantes:
Prevenção e antecipação: Em vez de focar no tratamento de doenças de forma reativa, a jornada do paciente deve passar a ser pautada pela prevenção e antecipação de riscos e necessidades médicas.
Foco em criar valor: O modelo atual, em que a qualidade dos desfechos dos tratamentos não interfere diretamente na remuneração, deve dar espaço a uma nova lógica em que provedores de serviço passam a ter sua receita, reputação e rentabilidade associados à qualidade e economicidade desses desfechos.
Healthcare everywhere: A lógica em que o ambiente de cuidado se restringia principalmente às unidades de saúde dá lugar a uma abordagem mais ampla, onde múltiplos canais desempenham esse papel, incluindo a residência dos pacientes, além de locais de grande circulação de pessoas, como redes de varejo farmacêuticas.
Enriquecimento de informações: Os dados de pacientes e tratamentos, antes restritos e desconectados devido a uma abordagem mais compartimentada e limitada, devem ser enriquecidos com a ampliação dos locais de cuidado, além da inserção de novas tecnologias como wearables e autotestes.
Cuidados personalizados e integrados: A realidade atual, em que os tratamentos são realizados de forma descoordenada, a depender dos diagnósticos mais recentes, cede lugar a uma nova, em que os pacientes são, por meio de uma gestão populacional, encaminhados para linhas assistenciais específicas, que têm como objetivo garantir um tratamento contínuo adequado.
E é justamente nesses novos pilares estruturantes, apoiados na inovação de tecnologias digitais, que o Digital Health Report identificou as 10 jazidas de valor que têm o potencial de trazer grandes transformação ao sistema e reverter o cenário de colapso no longo prazo, gerando ganhos para os vários stakeholders envolvidos, principalmente os pacientes.
As 10 jazidas de valor na transformação digital da saúde brasileira
Novos modelos assistenciais
1 - Direcionamento, retenção e engajamento de pacientes em linhas de cuidado apropriadas
Esta jazida se relaciona à possibilidade de inserir os pacientes em linhas de cuidado apropriadas e pré-definidas, processos orquestrados, padronizados, e escaláveis, que se traduzem em um fluxo contínuo de informação transformado em dados, e com maior previsibilidade de custos.
Conecta-se a uma mudança na lógica de tratamento, que deixa de ser reativa e focada no cuidado de doenças e mitigação de danos, e ganha um caráter mais preventivo, com linhas focadas na atenção primária e no autocuidado. Envolve o desenho de linhas de cuidado específicas, dentro de recortes como momento de vida do paciente e o seu perfil clínico.
2 - Abordagem multidisciplinar do cuidado, com digitalização parcial da jornada do time de saúde
Está ligada ao trabalho dos profissionais de saúde, em um cenário em que os modelos voltados para a entrega de valor crescem em importância, com maior cobrança por bons resultados de desfecho clínico. Entra aí a possibilidade da digitalização que elimine tarefas repetitivas e de baixo valor agregado desses profissionais, e garantam maior riqueza de informações para a tomada de decisão.
Hoje, a jornada do time de saúde tem um grau intermediário de digitalização, o que evidencia a possibilidade de uma melhora do cenário geral nesse sentido, com a inserção de ferramentas que garantam um melhor monitoramento, interação e navegação do paciente.
3 - Ampliação e qualificação do acesso a saúde
Segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS) de 2022, apenas 25,6% dos brasileiros possuem planos privados de saúde, fazendo com que a esmagadora maioria da população recorra ao Sistema Único de Saúde. Ao mesmo tempo, apenas 10% que usam o SUS e 5% que têm assistência privada classificam a saúde no Brasil como boa ou ótima (ANAHP, 2022), o que evidencia a necessidade da expansão e qualificação do acesso a cuidados médicos.
O Digital Health Report identifica dois principais eixos focais que possibilitariam a realização dessa difícil tarefa: digitalização do SUS e amadurecimento de ofertas da Saúde Suplementar.
No primeiro, é fundamental que os dados gerados pelo sistema sejam integrados, com possibilidade de importação de modelos já testados com sucesso no sistema privado. No segundo, as possibilidades incluem o oferecimento de novas ofertas de players como bancos digitais, redes de farmácias e marketplaces de serviços médicos, além de cartões de desconto.
4 - Farmácias como hubs de cuidado
Entre os novos pilares estruturantes da saúde propostos pelo Digital Health Report está a ampliação dos locais de prestação de cuidados. Nesse contexto, entra a possibilidade de transformar grandes varejistas farmacêuticas em fornecedores de atenção primária e secundária.
Originalmente conhecidas pela sua atuação na venda de medicamentos, produtos de beleza, itens de conveniência, entre outros, as farmácias estão ampliando seu escopo de atuação, se posicionando como agentes proativos de saúde ao realizar testes e exames de baixa ou média complexidade, aplicar vacinas e indicar produtos e soluções personalizadas de parceiros.
Passaram ainda a recomendar e executar programas de saúde e bem-estar para seus consumidores, considerando suas necessidades específicas. Esses programas podem transcorrer presencialmente, online ou em modelo híbrido, mas sempre se conectam com a plataforma de soluções da farmácia, trabalhando recorrência, fidelização e aumento de ticket médio.
Eficiência e transformação digital
5 - Relação entre prestadores de serviços e operadoras
Atualmente, prestadores de serviços e operadoras conduzem agendas distintas e, por vezes, conflitantes, o que resulta em ineficiência e subotimização da experiência do paciente. Entretanto, se o paradigma do fee-for-service for substituído por transparência e colaboração, há espaço para a construção de uma agenda em comum, que integre custo-benefício e resultado clínico, com maior fluidez, eficiência e compartilhamento de dados.
Surge nesse novo cenário a possibilidade de parcerias corporativas ou comerciais para que ambas as partes ampliem seus ganhos, atuando como plataformas de saúde baseadas na geração de valor ao paciente.
6 - Conformidade dos processos e interpretação de indicadores padronizados para monitoramento da unidade de saúde
Em um cenário em que os grandes players de saúde expandem e consolidam seus serviços, muitas vezes por meio de uma estratégia de crescimento inorgânico que envolve a aquisição de outros atores menores, é imperativo que haja uma uniformização de processos e indicadores dentro das diferentes unidades de negócios, sob o risco de dificuldades no monitoramento e comparação das unidades, além da identificação de ineficiências locais ou generalizadas.
Assim, uma jazida localizada pelo Digital Health Report é justamente a padronização desses processos e linhas de atenção, assim como critérios de avaliação de unidades de saúde a partir de seus respectivos públicos-alvo e escopos de atuação.
7 - Otimização do processo de P&D para novos medicamentos e tratamentos com IA e outras tecnologias
As empresas farmacêuticas, antes focadas no desenvolvimento de fármacos destinados à atenção primária, encontram-se em um novo contexto em que precisam, por conta de forças do mercado, se concentrar em terapias inovadoras que incluem biotecnologia avançada, terapias genéticas, entre outras frentes de inovação. Emerge a possibilidade de utilização de tecnologia, como de inteligência artificial, para transformar os processos de pesquisa e desenvolvimento.
O Digital Health Report destaca três capacidades essenciais para o desenvolvimento desses novos biofármacos:
- Antecipar o futuro. Com a consolidação e desenvolvimento de tecnologias digitais e a personalização do cuidado, as biofarmacêuticas estão revisitando sua estratégia de diferenciação competitiva, identificando novas prioridades para P&D, conforme os interesses dos pacientes alvo;
- Reinterpretar o presente, por meio de uma revisão de modelos operacionais que vise refletir seu posicionamento estratégico, com foco em agilidade, colaboração e digitalização dos processos;
- Questionar o passado, ou pressupostos ainda vigentes, que incluem desde a validação de medicamentos e tratamentos até o lançamento dos mesmos no mercado.
Descentralização da saúde
8 - Construção da jornada de saúde do colaborador pelo RH, com apoio de parceiros
No contexto da transformação da saúde para um novo modelo sustentável, o cuidado de empresas com seus colaboradores aparece como uma das jazidas de valor identificadas pelo Digital Health Report, em uma tendência em que essas organizações já reconhecem que um entendimento mais aprofundado do perfil de seu quadro viabiliza benefícios financeiros e na qualidade de vida dos mesmos. Entra aí uma atenção não apenas aos cuidados primários, mas também a questões de saúde mental e de bem-estar.
Existe um movimento onde a jornada de saúde dos funcionários também é modelada e padronizada, com o apoio de players externos como operadoras, corretores e técnicos de saúde.
A exploração dessa jazida demanda uma utilização de dados ocupacionais e outras informações relevantes para garantir uma distribuição adequada dos colaboradores dentro de linhas de cuidado pertinentes.
9 - Ascensão de novos modelos de cuidado em domicílio para conveniência e acompanhamento do paciente
Em um cenário onde existe uma expansão dos locais de atendimento à saúde, o próprio domicílio dos pacientes se torna um desses ambientes que podem ser utilizados para expandir e melhorar o cuidado. Entram aí novos modelos de negócio que consideram essa nova realidade, por meio do monitoramento, atendimento e acompanhamento que utilizam wearables e outros dispositivos capazes de acompanhar os dados desses pacientes.
Também entram os autotestes, vacinas e outras formas de atendimento que têm como premissa uma maior comodidade a quem recebe os cuidados de saúde.
10 - Experiência omnichannel do paciente
O novo paradigma da gestão da saúde envolve o uso extensivo de dados que gerem insights sobre a evolução de saúde dos pacientes, permitindo uma melhor experiência integrada à melhoria do custo-benefício e de um monitoramento adequado. Assim, novas tecnologias habilitadoras como wearables e chatbots exercem um papel importante para que essa jornada ocorra por meio de canais diversos e complementares.
Uma jazida a ser explorada é a criação de um contínuo de geração de dados, por meio de uma jornada do paciente redesenhada, omnichannel, que integre diversas linhas de atendimento. Essas linhas devem se desdobrar, por consequência, em diferentes estratégias de cuidados que ofereçam maior vantagem competitiva e sustentável para as empresas e operadoras de saúde.
Colaboração entre stakeholders: chave da transformação
O Digital Health Report, desenvolvido pela Aggir Ventures e a EloGroup, traz uma conclusão importantíssima: ao se analisar as jazidas de valor elencadas no relatório, fica claro que, para transformar as atuais premissas insustentáveis do sistema de saúde brasileiro, será necessário um esforço conjunto envolvendo grandes players, setor público e startups, para que dessa forma sejam destravadas novas avenidas de valor para todos os stakeholders envolvidos.
Não apenas os grandes players precisam avançar em uma agenda de transformação digital conectada à estratégia do negócio, mas empreendedores também devem ampliar seu entendimento do cenário atual da saúde, e assim enquadrar soluções que tragam impacto concreto e relevante. Ainda é necessária a atuação dos reguladores como agentes responsáveis por estimular a inovação, como por exemplo por meio da criação de marcos regulatórios que estabeleçam bases de atuação nesse mercado. Por fim, é preciso consolidar um entendimento em torno da importância de um jogo colaborativo e transparente, que reverta a atual lógica de soma zero, e que proporcione benefícios para todos no longo prazo, com foco no bem-estar, sustentabilidade e qualidade de vida dos pacientes.