Por EloInsights, com a colaboração de Thiago Leite, Daniel Pinho e Luiza Castro
Organizações recorrem a inovações tecnológicas para enfrentar os novos desafios na cadeia de suprimentos no mundo de hoje.
Digital twins para a monitoramento de estoques e a construção de “torres de controle” são alguns exemplos de inovações no setor.
Veículos autônomos, robotização de armazéns e adesão a smart contracts com a difusão da blockchain prometem revolucionar a relação entre os elos da cadeia de suprimentos.
A rede global de cadeias logísticas e de suprimentos enfrenta hoje desafios sem precedentes, com a introdução de novas tecnologias, mudanças rápidas em padrões de consumo, e tudo isso intensificado pela pandemia do novo coronavírus.
O bullwhip effect (efeito chicote de touro, em tradução livre) é um termo cunhado por Hau Lee, V. Padmanabhan e Seungjin Whang, professores da Stanford Business School, em um artigo de 1997, para descrever um desses fenômenos que afetam uma cadeia de suprimentos.
Foi descrito a partir das observações de executivos de uma fabricante mundial de fraldas. Após pequeno aumento da demanda de consumidores, digamos 10%, os varejistas aumentavam em 20% seus pedidos aos atacadistas temendo ficar sem produto. Estes, pela alta repentina, solicitavam 35% além do usual à fabricante de fraldas, que, seguindo essa lógica, acabaria tendo de aumentar a produção de fraldas em 50% para atender ao aparente boom.
Ocorre que, na realidade, não havia se configurado uma grande guinada da demanda. Ou seja, uma pequena variação do comportamento de clientes – aliada a uma leitura rasa, à falta de comunicação e ao medo excessivo, podem gerar um grande estalo nos elos da cadeia, tal qual o efeito de um leve movimento de punho de um cowboy gera o estalo de um chicote no ar.
No contexto atual, com mudanças tectônicas na malha global de consumo, esse fenômeno pode gerar desafios enormes dentro da cadeia produtiva. Por conta disso, organizações se movem cada vez mais no sentido de adotar novas tecnologias que sejam capazes de monitorar e otimizar as cadeias de suprimento, diminuir custos, e torná-las mais eficientes.
A chamada Supply Chain 4.0 envolve o uso de inovações como Internet das Coisas, robotização e analytics. Abrange também um entendimento mais amplo, pois refere-se, sobretudo, à identificação de abordagens diferentes para problemas tradicionais com base em análise e experimentação – através da lente dessas novas tecnologias.
É trazer um outro olhar para revolucionar e resolver questões já conhecidas da cadeia de suprimentos: precificação que caminhe ao lado de competitividade, agilização na carga e descarga de materiais, economia no ecossistema de transporte ou formas eficientes de estocagem. Nessa lógica, detalhamos a seguir algumas tendências e reflexões que indicam novas possibilidades.
Digital Twins
A Bosch inaugurou uma fábrica de chips semicondutores em Dresden, na Alemanha, em que todos os elementos da fábrica foram registrados digitalmente, constituindo modelos 3D. Da infraestrutura dos edifícios aos sistemas de abastecimento e ventilação até as máquinas e as linhas de produção – o que permitiu a criação de uma réplica da fábrica no mundo virtual. A tecnologia permite rodar experimentos, testar novas possibilidades e encontrar soluções que, de outra forma, seriam impossíveis de se achar.
Ter uma fábrica alinhada aos moldes da Indústria 4.0 significa ter acesso facilitado à simulação de diversos cenários, sem afetar a operação, implementando no mundo físico só as melhorias e as hipóteses mais efetivas. É uma importante vantagem. A criação de digital twins, ou “gêmeos digitais”, viabiliza tais projeções, e já é aplicada em supply chains.
A sensorização e abordagem sistêmica de análise de dados, que vá além do chão da fábrica e dinamize toda a cadeia de suprimentos, pode envolver máquinas que dão feedbacks sobre a capacidade de produção; a dinâmica das movimentações de estoque dentro de armazéns monitorados por drones e equipamentos conectados; informações passadas por uma frota de transporte também sensorizada que faz previsões com cruzamento de dados, como localização e regime de carga e descarga de materiais e produtos.
Dessa forma, é possível tomar – e até mesmo automatizar – decisões de negócio com melhor embasamento e segurança, em tempo real. Desde estabelecer preço dinâmico para mercadorias até influenciar clientes com ofertas alinhadas a situações específicas e condições mais precisas.
Torre de controle
A control tower é uma novidade que cada vez mais se espalha por diversas supply chains. Trata-se da sensorização de uma frota, o que permite disciplinar a operação e aumentar a visibilidade do fluxo da cadeia de transporte.
A adoção de sensores pode ser abordada a partir de duas perspectivas: de fora e de dentro dos Centros de Distribuição. No primeiro, são criados mecanismos de controle dos veículos, seja por GPS, ou por outras tecnologias mais recentes como beacons – dispositivos de rastreamento com baixo consumo energético. Uma aplicação possível é calcular o horário estimado de chegada de caminhões para planejar a janela de distribuição, assim como assegurar a cobertura de todos os pontos de entrega.
Do lado de dentro, pode-se sensorizar as docas para confirmar a localização dos veículos. Descobrir padrões de carga e descarga, o tempo de permanência nesses espaços. Ao refinar e cruzar informações, como o valor total e o volume da carga transportada, gera-se insights para aumentar a eficiência de todos esses processos e planejar corte de custos. É a realização da mentalidade orientada a dados e à experimentação como forma de encontrar novas oportunidades e soluções.
Modelos preditivos e algoritmos
Fugir do tradicional, proporcionar agilidade e estabelecer uma troca constante de informação entre os elos da cadeia requer planejamento, além de cruzamento de dados de compras e vendas com o status do estoque. Em especial para o varejo, a capacidade de construir algoritmos tende a gerar um controle mais analítico de toda a operação.
A previsão de demanda também exige a estruturação eficiente de dados para um resultado ótimo – incluindo aí informações de diversas naturezas e origens para enriquecer a interpretação de todo o cenário, como por exemplo dados meteorológicos, do comportamento do consumidor, entre outros.
Dentro da EloGroup, um grande projeto de S&OP (Sales and Operations Planning) envolveu o planejamento de curto e médio prazo de uma das principais plataformas de varejo de insumos agrícolas e serviços para o agronegócio no Brasil. Além da gestão e do inventário (diferenciados por segmentos), o objetivo era reduzir a necessidade de capital de giro, garantindo o abastecimento e as compras, bem como o atendimento aos clientes.
Três grandes etapas foram rodadas. A primeira abrangeu o entendimento do modelo da plataforma, identificando gaps e práticas utilizadas, em um refinamento para a condução de um dry-run; a segunda focou em desenhar e apoiar, por ondas de implantação, um novo modelo com definição de papéis e responsabilidades, condução dos ritos e suporte nos processos. Já a última, rodou em paralelo e foi utilizada para construir ferramentas e dashboards para previsão e planejamento de demanda a curto e médio prazo, otimização dos estoques por segmentos e considerando o shelf life de SKU (Stock Keeping Unit).
Um universo que envolveu 4.000 SKUs, dois Centros de Distribuição e até 110 filiais exigiu inúmeras atividades, incluindo: a captura das principais características dos itens; a validação e um profundo entendimento de regras de negócios para balizar estratégias de modelagem; a revisão de literatura a procura de problemas já documentados; ajustes e inclusão de novas funcionalidades; o monitoramento de mudanças nos processos e na cultura do cliente para usar a solução em todo seu potencial e uma avaliação para um feedback de enquadramento.
Outro ponto central se refere aos itens de Manutenção, Reparo e Operação (MRO). Além de numerosos em qualquer organização, eles possuem padrões bastante variados de consumo e tempo de ressuprimento. Determinar tais níveis de estoque também requer eficiência para adequar a disponibilidade ao capital investido.
A jornada de otimização e evolução de modelos preditivos combina competências para trazer inteligência analítica e de gestão ao nível de cada unidade de estoque. Começa com o levantamento e a análise das bases de dados a partir de critérios de classificação e criticidade; passa pela sanitização de dados e definição de parâmetros; e desemboca na análise do impacto nos resultados a fim de adequar o modelo e definir a política para cada item do estoque. Em conjunto, são estabelecidos e revisados processos e rotinas de manipulação, o que envolve atualização de status, inclusão e desativação de itens. Por fim, vem a execução: a transferência e a compra dos itens dentro de um regime de acompanhamento, recebimento e consumo de materiais.
Assim, podemos colocar como uma tendência a estruturação mais sólida de modelos preditivos de demanda por produtos e para a manutenção de estoques. Quanto maior a riqueza de detalhes e a eficiência da integração, maior é a proximidade com a realidade e a probabilidade de satisfazer os clientes, sejam consumidores finais ou áreas internas de uma corporação.
Supply chain 4.0 em um entendimento mais amplo
Usar a tecnologia como lente é entender o uso de digital twins e sensorização como ferramentas interessantes para materializar o comportamento de todos os elementos da cadeia de suprimentos e viabilizar experimentos.
Podemos dizer que é um habilitador que permite visualizar a movimentação de todas as partes de um armazém, tudo o que envolve o processo de transporte, ou a coleta de detalhes que permitam a análise de todo o ciclo.
Contudo, é necessário desmistificar um ponto: como toda tecnologia de ponta, essas inovações são extremamente relevantes para empresas que se guiam de maneira estrategicamente digital, mas o novo mundo da cadeia de suprimentos requer também um entendimento mais amplo de conceitos.
Para além das inovações, as bases da supply 4.0 também se referem a lapidar o trabalho de desenvolvimento e acrescentar camadas de robustez à integração e ao entendimento sobre dados.
A evolução da supply 4.0 em curso
No Brasil, as empresas já começam a aderir às soluções mais avançadas. Ainda que o custo de instalação e aquisição de bens seja significativo, assim como nos casos de desenvolvimento e adesão a RPAs (Robotic Process Automation), o retorno sobre investimento costuma vir, seja na redução do custo fixo, ou barateando a operação de um armazém, por exemplo.
O transporte é outra variável chave, influenciada por custos de motoristas e de manutenção dos veículos. Aliar tudo isso às alavancas do mundo 4.0 garante maior confiabilidade e espaço para mudanças significativas, o que já é realidade em gigantes da indústria.
Veículos com sistemas autônomos já estão rodando para empresas como a Tesla. Também já se movimentam por estradas dos Estados Unidos sistemas de comboio de caminhões autônomos. Motoristas humanos operam um veículo que lidera uma fila de outros caminhões orientados totalmente por inteligência artificial.
Segundo relatório da plataforma de dados Statista, o mercado de carros autônomos deve movimentar cerca de US$ 60 bilhões em 2030. A multiplicação da capacidade no transporte de cargas, com uma só pessoa podendo conduzir dezenas de outros veículos, tem potencial de derrubar custos de logística.
A China é um dos países precursores da robotização de armazéns, que já chega a outro nível em muitas partes do mundo. A Boston Dynamics, empresa norte-americana especializada em engenharia robótica de ponta, dá a dimensão dos ganhos que a automação do processo de picking pode trazer para toda a cadeia:
A blockchain é usada para facilitar e dar maior credibilidade a diversos processos, em especial do mercado financeiro, e já impulsiona o estabelecimento de smart contracts (ou contratos inteligentes).
Com essa tecnologia, um acordo pode ser firmado dentro de um “livro de registro” digital, rastreável e descentralizado. Ao mesmo tempo, as informações são fornecidas de forma mais transparente e com acesso restrito a uma rede autorizada. Isso eleva a confiança e garante agilidade entre fornecedores, produtores e clientes.
A introdução de contratos inteligentes na blockchain modifica a estrutura do procurement – que engloba a gestão de compras, a relação entre empresas e fornecedores, o estabelecimento de minutas, o recebimento de pedidos, checagem de entregas dos fornecedores, entre outros aspectos. Entra como uma nova plataforma onde são estabelecidos não apenas os documentos, mas também pela qual são gerenciadas várias pontas, como as contas a pagar. A evolução já se faz presente em todos os elos da cadeia de suprimentos.
THIAGO LEITE é gerente sênior na EloGroup
DANIEL PINHO é gerente sênior na EloGroup
LUIZA CASTRO é gerente sênior na EloGroup