Digital literacy: o desenvolvimento contínuo de skills digitais

Por EloInsights, com colaboração de Isabela Correia

  • O letramento digital é uma chave que destrava a capacidade de pessoas e organizações em usar a tecnologia como lente para revelar novas oportunidades de transformação.
  • Digital literacy torna-se uma alavanca para implementar um ciclo contínuo de internalização de conhecimentos, moldando a cultura organizacional.
  • O papel das lideranças está em fomentar ao máximo a lógica de aprendizagem contínua (lifelong learning), cultivando um bom domínio sobre como as tecnologias funcionam e podem ser aplicadas.

Já discutimos como o sucesso da transformação digital não está ligado apenas à aquisição de tecnologia, mas principalmente à forma como ela é usada e aplicada pelas pessoas nas organizações. Como destaca George Westerman, pesquisador do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e referência da área de gestão, “a transformação digital precisa de um coração”. Ou seja, a otimização e a utilização de ativos digitais passam necessariamente pela formação de pessoas, pois são elas que transformam o ambiente corporativo de fato.

Entra aqui a importância do digital literacy (letramento digital), um processo em que os colaboradores de uma organização são expostos, de forma estruturada e permanente, a aprendizados e conhecimentos que os capacitarão a lidar com novas tecnologias digitais. E a usá-las como lentes para visualizar oportunidades de aplicação capazes de gerar valor para o negócio.

“É importante compreender o letramento como o conjunto de ações que promovem o contato e conhecimento dos colaboradores e das empresas com o ecossistema de transformação digital”, diz Isabela Correia, gerente sênior da EloGroup.

O letramento é a junção de uma série de estratégias. Engloba a troca de noções sobre o funcionamento de tecnologias habilitadoras até o emprego de metodologias e ferramentas digitais. Ocorre seja por meio de workshops, cursos, aulas, seja em visitas a hubs de referência, colaborações com outras organizações e na realização de eventos internos e externos. Dessa forma, promove reskilling, quando há mudança nas atribuições de um cargo, e upskilling, a requalificação em uma mesma vertente de trabalho, dos colaboradores.

E vai além disso, pois auxilia no cumprimento de metas e objetivos-chave à medida que viabiliza a máxima exploração dos parques tecnológico das empresas – muitas vezes já existentes e atualizados do ponto de vista estrutural, mas utilizados abaixo do seu potencial.

Isso porque o letramento digital destrava o affordance da organização, uma vez que expande o entendimento sobre o uso da tecnologia pelas pessoas e ajuda a revelar novos valores e aplicações  dos assets digitais na resolução dos desafios de trabalho.

Lista traz ações de digital literacy, como aulas, workshops e visitas a hubs de referência

A expansão do affordance acontece em duas dimensões: a individual e a coletiva. Ao se desenvolverem individualmente, os colaboradores também ampliam sua capacidade de usar o digital para enxergar novas oportunidades para o negócio como um todo. Contudo, a escala para o nível coletivo não é linear ou automática e só pode ser plenamente alcançada quando incorporada à cultura organizacional.

Os times tornam-se capazes não só de usar a tecnologia da forma como foi originalmente pensada, mas também podem moldar o uso de ferramentas, métodos e processos, aperfeiçoando técnicas e descobrindo novas aplicações desse ativo, considerando as necessidades do negócio. Isso abre caminho para o aproveitamento das chamadas embedded opportunities, ou oportunidades que permaneceriam invisíveis sem a lente do digital.

“É uma grande alavanca de transformação com duas faces. Enquanto de um lado o digital literacy garante o ritmo e constância na troca de conhecimento entre os times, do outro, aumenta o alcance que esse conhecimento pode gerar enquanto transformação digital. Ele promove a combinação em escala dos aprendizados entre diversas áreas”, afirma Correia.

Integração de times e lifelong learning

Dentro de um processo de transformação digital, parte importante do desafio está em dar visibilidade e escala a soluções que muitas vezes já foram concebidas e implantadas dentro da organização. O letramento quebra barreiras para que as soluções efetivas ganhem transversalidade e não fiquem restritas às bordas da estrutura corporativa.

Nesse sentido, ele auxilia no processo de aproximação de lideranças, diferentes times técnicos e áreas de negócios, expandindo o entendimento sobre as necessidades organizacionais e as oportunidades existentes.

Ainda tratando dos pontos fundamentais que caracterizam uma cultura organizacional madura que incorpora o digital literacy, vale destacar a importância da lógica de lifelong learning, em que o desenvolvimento de skills digitais é encarado como uma jornada contínua e não uma ação pontual. Isso agrega maleabilidade às estratégias, abertura para experimentação, adoção de modelos operacionais ágeis, além de outros elementos indispensáveis para sustentar ciclos contínuos de transformações.

A incorporação do digital literacy como um dos mecanismos embutidos em uma cultura organizacional pautada no aprendizado contínuo é um dos fatores que dão origem a uma espiral positiva do conhecimento. Esse movimento potencializa casos de uso e a integração de variadas tecnologias habilitadoras da transformação digital – tais como advanced analytics, computação em nuvem, inteligência artificial e automação. A seguir, detalhamos melhor como ela se forma.

A espiral positiva na transformação digital

O conceito da espiral positiva vem do campo da Educação e se refere às etapas pelas quais o conhecimento deixa de ser uma mera informação e passa a ser internalizado, agregado como parte formadora de uma cultura. Essas quatro fases são:

Gráfico do artigo de digital literacy traz o conceito de espiral do conhecimento, um processo em que o aprendizado é internalizado.

Nas duas primeiras etapas, o conhecimento parte de um caráter subentendido, quando uma pessoa ensina outra informalmente, até ser externalizado e formalizado em algum tipo de registro, como uma aula sobre determinado tema. A terceira etapa é chave, pois se estabelece a junção de saberes de várias pessoas. Os conhecimentos se combinam para formar um novo aprendizado, e o conhecimento explícito individual passa a ser um conhecimento explícito compartilhado. Por fim, no quarto momento, ocorre a internalização do aprendizado, a partir da vivência e interpretação de cada indivíduo.

Parte importante do valor do digital literacy é gerado à medida que são criadas iniciativas para trocar o conhecimento adquirido ao longo da jornada transformadora. “A grande relevância está em combinar diferentes conhecimentos a respeito das tecnologias, e do potencial delas, para resolver os problemas de negócio. A espiral se amplia à medida que passa a fazer parte da experiência e do dia a dia das pessoas, ampliando também seu potencial de geração de valor”, diz Isabela Correia.

É na órbita dessa espiral positiva que o affordance pode se traduzir em caminhos e oportunidades para a inovação. O digital literacy torna-se uma grande alavanca para colocar os aprendizados em um ciclo de internalização, ampliando o potencial de uso da tecnologia nas transformações. O conhecimento relacionado a assets digitais passa a circular e a ser dominado por grupos maiores de pessoas, até deixar de ser novidade.

O papel da liderança na promoção do digital literacy

É na multiplicidade das trocas e na riqueza das experiências, especialmente as que envolvem aplicação prática, que se destrava o affordance digital e a obtenção das lentes para enxergar novas perspectivas a partir do que o mercado já pratica, trazendo à organização um ganho de maturidade digital.

Para as lideranças, um exemplo de ganho ao se envolverem em processos de aprendizado que enriqueçam sua inteligência digital é a ampliação da capacidade de avaliar tecnologias e soluções digitais que respondam às necessidades de negócio. Isso não significa que esses líderes precisam se tornar especialistas ou desenvolver hardskills como programação ou ciência de dados. O livro The Technology Fallacy, escrito por especialistas em parceria com o MIT, ouviu mais de 3.000 entrevistados para concluir que liderança digital é sobre ser capaz de navegar de forma consciente (e bem-informada) por um novo ambiente de negócios marcado pela disrupção tecnológica constante. Ou seja, o digital literacy precisa estar presente no C-level para fazer a conexão com as pontas das organizações.

Quem lidera deve compreender os princípios gerais sobre como a tecnologia funciona. Ter uma boa compreensão de quando, por que e como usá-la, é cada vez mais crucial, primeiro para se orientar pelas mudanças e ter uma visão transformadora, acompanhando e identificando novos fluxos de geração de valor para a organização; segundo, porque aumenta a qualidade das tomadas de decisões em momentos de incerteza. Além disso, melhora a experiência de colaboradores e a eficácia de assets digitais, ainda mais quando muitos trabalham em home office.

Reconhecer e monitorar o grau atual de integração digital do negócio torna possível julgar se uma tecnologia emergente é realmente apropriada, por exemplo.

Avaliação do nível de letramento e de retorno para o negócio

Consolidar uma cultura de aprendizado é um processo interno longo, que exige resiliência e foco no colaborador. As lideranças devem se engajar, patrocinar e disponibilizar o time para as ações dentro das estratégias de digital literacy, tendo em vista que precisam ser cumpridas no horário de trabalho. Sem incentivo, o conhecimento não poderá ser absorvido ainda que um programa incrível seja desenhado. Influenciar mudanças de comportamento e a adoção de novos procedimentos tem uma dimensão não só cognitiva, mas também um caráter social. Aprende-se melhor na prática e na troca com outros pares.

Chegamos, então, ao último ponto da discussão: como avaliar o nível de letramento e o retorno que o digital literacy traz ao negócio?

É possível mensurar o volume de iniciativas e de oportunidades criadas a partir de uma gama de práticas e processos digitais que sejam ou se tornem relevantes nas operações diárias de uma organização.

A avaliação do aprendizado pode e deve ser feita através de questionários e testes relacionados ao nível de domínio dos colaboradores antes e após as ações de literacy. Na prática, são perguntas sobre os conceitos e as aplicações das skills digitais no contexto de trabalho, muitas vezes com exemplos reais e debates sobre a solução digital que pode ser adotada na resolução de determinado problema de negócio. A mensuração prévia e logo após as atividades ajuda, inclusive, a acompanhar a evolução do domínio técnico.

Na perspectiva organizacional, a maturidade digital pode ser mensurada por meio do desdobramento central do letramento digital: um portfólio de transformação digital. Esse conjunto de projetos digitais vai se alinhar à estratégia de transformação da organização pelas trocas de conhecimento promovidas, diversificando as tecnologias empregadas e facilitando a convergência das ações entre diversas áreas. Quanto maior o volume e o grau de integração das iniciativas, mais refinadas estarão as lentes dos times envolvidos. Dentro desse portfólio, também é possível medir o ganho obtido diretamente das iniciativas levantadas nas ações do digital literacy, estimando o impacto das formações.

“Há uma escala de ganho de vantagem para a organização com essas novas oportunidades identificadas e que nem sempre poderão ser quantificadas de forma imediata. Contudo, ao longo da jornada de transformação, é um mecanismo que com certeza vai potencializar os resultados, inclusive financeiros, da transformação digital”, garante Correia.

Parafraseando o trecho final do livro Tecnology Fallacy, começar é muitas vezes a parte mais difícil. A chave está em derrubar as barreiras em relação à maturidade digital. Promover o digital literacy pode impulsionar as áreas menos maduras da organização que estejam apenas esperando para se mover.

ISABELA CORREIA é gerente sênior na EloGroup

Enviar por email