Os desafios da liderança feminina no ecossistema corporativo

Por EloInsights 

  • Roda de conversa promovida pela EloGroup contou com participação de executivas para discutir suas trajetórias e as barreiras enfrentadas por mulheres no mercado de trabalho. 
  • Estratégias de promoção da liderança feminina no mundo corporativo e no ecossistema empreendedor foram tema da conversa, assim como a importância do papel da liderança masculina nesse contexto.  
  • Conversa abordou ainda as penalidades da jornada dupla das mulheres, a importância da paridade de políticas corporativas de paternidade, e da diversidade na discussão sobre os desafios das mulheres.  

Celia Kano, co-CEO da Rede Mulher Empreendedora, revela qual foi o momento decisivo, que ela chama de “Dia D”, que a fez deixar sua atuação como consultora de estratégia em empresas multinacionais para buscar uma atuação de mais impacto social: “Eu estava em um projeto, e comecei a notar como era raro encontrar mulheres em posições de C-Level dentro das empresas. Eu era a única mulher na sala. Onde estavam elas? O que estavam fazendo?”  

Kano compartilhou esse momento de sua história durante uma roda de conversa promovida pela EloGroup no contexto do Mês da Mulher, em que atuou como mediadora, e que reuniu mais cinco executivas com trajetórias de sucesso em diferentes setores da economia, e com formações variadas. Participaram: 

Ana Paula Pereira: Com passagem pelo mercado de consultoria estratégica, Pereira é hoje CEO do Instituto Sonho Grande, uma organização sem fins lucrativos e apartidária que trabalha junto a estados brasileiros e ao terceiro setor para melhorar a qualidade do ensino das redes públicas.  

Angelita Oliveira: Head de Growth e Sócia na Harpoon, uma plataforma para empresas B2B focada em account based marketing. Além da sólida carreira que construiu em vendas, Oliveira tem ainda como uma de suas principais pautas a equidade de gênero no ambiente corporativo. Nesse contexto, fundou o Women in Sales, um movimento que visa capacitar mulheres para atuação em times comerciais, de CX e marketing.  

Bruna Rosso: Diretora e Partner da EloGroup, tem atuação em projetos de grande impacto em diferentes indústrias, como a saúde, com foco em transformação digital. Líder de uma das principais contas âncora da EloGroup, participou recentemente do lançamento do Digital Health Report, uma extensa pesquisa que aponta as principais jazidas de valor para o mercado de saúde brasileiro. 

Maria Eduarda Fernandes: Head de Gente & Gestão na Arco Educação, uma companhia brasileira focada em soluções educacionais. A Arco oferece conteúdo, tecnologia e serviços para mais de 5.400 escolas em todo o Brasil. Com passagem pela Ambev, Fernandes migrou para o setor de educação e hoje tem a maternidade no mundo corporativo como uma de suas principais pautas.  

Rafaela Bassetti: CFO da Vitat, uma plataforma de saúde, bem-estar e prevenção da RaiaDrogasil, fundada em 2021, com objetivo de democratizar o acesso à saúde no Brasil. Bassetti também é fundadora e CEO da Wishe, um hub de investimentos que conecta startups inovadoras lideradas por mulheres a investidoras e investidores em busca de retorno financeiro aliado à transformação socioeconômica coletiva. E atua como conselheira da B2Mamy, uma social tech que conecta mães e mulheres em comunidade. 

Célia Kano: Co-CEO da Rede Mulher Empreendedora e diretora do Instituto Rede Mulher Empreendedora, Kano foi consultora em gestão de negócios em setores como automotivo, elétrico, infraestrutura, saúde, varejo e farmacêutico. Migrou para uma atuação de impacto social. Atualmente, é doutoranda dentro desse tema na Escola Politécnica da USP.  

O principal tema das discussões girou em torno da busca por formas de promover a liderança feminina dentro do mundo corporativo e também no ecossistema empreendedor. Outros pontos abordados foram o papel dos homens nesse processo, e as formas práticas de lidar com uma realidade em que mulheres ainda enfrentam sérias barreiras para seu progresso e desenvolvimento profissional.  

A EloGroup promoveu essa discussão no contexto do Mês da Mulher pois, como empresa que destrava o potencial de pessoas e de organizações, compreende que isso só é possível ao promover visões plurais, experiências diversas, conexões verdadeiras e, acima de tudo, respeito e apreço pela diversidade.  

Ilustração de três mulheres caminhando em meio a símbolos lúdicos como uma ampulheta

Desafios da liderança feminina no mundo corporativo e o papel do homem

Segundo pesquisa anual do Instituto Rede Mulher Empreendedora, cerca de 80% das mulheres afirmam que a jornada dupla, com a dedicação ao cuidado da casa e da família, atrapalha os negócios. Durante a roda da conversa, todas as participantes ecoaram esses resultados a partir de suas experiências pessoais.  

“A questão da economia do cuidado é muito interligada com o pouco espaço que a mulher tem no mercado de trabalho”, diz Rafaela Bassetti. “Antes de eu ter filhos, minha percepção era muito míope. Depois que eu me tornei mãe, ficou gritante. É uma questão de carga mental. Sua presença no mercado de trabalho fica muito diferente. Você segue com a mesma formação, mas a percepção de competência muda; há uma penalidade.” 

“Recentemente, eu cheguei em casa muito cansada depois de um dia de trabalho, e comecei a refletir sobre o quanto aquele cansaço era influenciado por eu ser mulher”, diz Bruna Rosso. “Comecei a pensar, o que é que me cansa? E percebi que havia muita coisa que me cansava para além do trabalho. Me cansava eu ter que pensar sobre as dinâmicas domésticas de lavar roupa, de limpar a casa, fazer mercado, dinâmicas familiares, uma série de outras coisas. 

“Por mais que o tempo dedicado às atividades domésticas do homem seja, em alguns casos, semelhante, o que já é um avanço, o esforço de organizar e gerir todas essas atividades ainda é muito mais da mulher, o que ocupa um grande espaço mental e consome energia”, diz Rosso. 

E elas discutiram a importância da atuação dos homens, em sua posição de privilégio dentro das organizações, para transformar essa realidade. 

Bassetti exemplifica, de forma prática, como a liderança masculina pode contribuir para que isso mude. “Quando o homem se coloca presente no cuidado e afirma isso no espaço de trabalho, ele abre uma estrada enorme para todas as mulheres que vêm atrás, que passam a se sentir confortáveis de dizer, por exemplo, que o filho está doente e não consegue participar de determinada agenda. Levantar essa barreira, ser honesto sobre o que está acontecendo na sua casa, trazer isso como um direito igualitário, faz toda a diferença.” 

“Abrir essa pauta para discussão é um primeiro passo. Os homens devem buscar conhecimento, entender o problema, e como isso afeta as mulheres”, diz Angelita Oliveira. “Os homens que se encontram em cargos de fundadores de empresas precisam trazer mulheres para o board. As mulheres querem ser CEO, fundadoras.” 

“Mulheres em posição de liderança muitas vezes se sentem excluídas pois não fazem parte do famoso ‘clube do Bolinha’”, diz Oliveira. “Parece piada, mas não é. Isso existe em toda empresa. É uma questão de afinidade. Por mais que se dê espaço para a mulher, dificilmente a ideia da pessoa com quem você tem menos afinidade vai ser levada pra frente. Ela vai ter que se provar muito mais. Se esforçar muito mais. Quando o homem olha por essa ótica feminina, ele pode começar a entender como é desigual e propor ações para que o cenário mude.” 

“É preciso intencionalidade positiva. Ser neutro não basta”, diz Maria Eduarda Fernandes. “É importante contribuir de forma intencional para essa evolução que a gente precisa que aconteça. Como fazer isso? Calçando o sapato. Entendendo, estudando, conversando, procurando saber. Se você acha que sabe sobre um assunto em que não tem lugar de fala, você já começa errado.” 

Uma ilustração mostrando mulheres num caminho colorido rodeadas por formas lúdicas como a de uma ampulheta

Medidas práticas às quais mulheres precisam recorrer para enfrentar essas barreiras

“Eu sou mãe solo. Para alguns, eu cometi um erro de vir do Nordeste para o Sudeste do país, sem família, sem conhecer ninguém, com um filho e para trabalhar em uma empresa privada”, diz Fernandes. “Então, eu entendi que eu precisava me organizar para além da média.”  

“O primeiro ponto é ter uma rede de apoio. Não é óbvio nem fácil. Construir a rede que você consegue ter e entender que você vai precisar pedir ajuda, e que é normal demonstrar vulnerabilidade”, diz Fernandes. “Para decidir minha vinda, eu fui franca e honesta com a minha liderança. Eu tenho uma dinâmica pessoal intensa, sou a única responsável pelo meu filho, e esses são os combinados. Não abro mão de levá-lo à escola, ao médico. Começa pelos combinados, e coisas práticas. Eu tenho um calendário do mês inteiro com meus compromissos. Você vai se moldando ao desafio. E sempre vai se achar abaixo das próprias expectativas. Eu me tornei uma pessoa mais organizada, porque do contrário não funciona. Para mim, a chave é organização.” 

Nesse momento, Kano destaca que um dos principais tópicos abordados na Rede Mulher Empreendedora é justamente a importância da administração do tempo.  

“Existe a expectativa de que a mulher seja a super-heroína e dê conta de tudo. Esse é o primeiro mito que a gente precisa quebrar”, diz Angelita Oliveira. “Tenho duas empresas que eu toco e tive que aumentar a minha carga de trabalho. É uma escolha que eu fiz. Tem ainda a vida pessoal que a gente não pode deixar cair. O que tenho feito é programar minha agenda. Planejo minha semana com antecedência; e outra coisa é saber dizer não. Mas isso também vem para pessoas com privilégio. Se você está em posição de liderança, segura com a sua carreira, você pode dizer não com mais facilidade. Mas, para mulheres em começo de carreira, não vai ser assim. Elas vão sentir a pressão.” 

“Um exercício que eu tento fazer é reforçar para mim os momentos em que eu me orgulho do que fiz; os momentos em que eu contribuí e me destaquei”, diz Bruna Rosso. “Se deixarmos o natural nos guiar vamos sempre nos ater aos 20% que não deram certo e isso pode pegar muito forte pra gente. Os exemplos em que brilhamos ocupam menos espaço na nossa mente. É importante reforçar conscientemente os momentos dos quais a gente se orgulha. Uma mulher confiante vai muito mais longe.” 

A importância da diversidade na pauta de mulheres no mercado de trabalho

O tópico das barreiras enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho é complexo, e abrange também a diversidade de vivências dessas mulheres, incluindo questões sociais, de raça, a pauta LGBTQIA+, entre outras. Celia Kano, da Rede Mulher Empreendedora, trouxe a importância dessa consciência em suas considerações finais. 

“É importante lembrar a importância de abrir as oportunidades de discussão para outras mulheres”, diz Kano. “Deixo a provocação para que todo mundo busque esse conhecimento individualmente. Sobre letramento racial, conhecimento das pautas LGBTIQA+, e de mulheres periféricas.” 

Ao longo de sua fala, Ana Paula Pereira destacou ainda a importância da paridade de uma política corporativa de paternidade em relação à das mulheres. “Briguem por e usufruam de uma boa política de paternidade”, diz Pereira. “Enquanto for ruim apenas para a mulher dizer que está grávida no ambiente corporativo, sempre vai ser difícil pra gente no mercado. Ainda existem homens que não usufruem, e isso não ajuda. As empresas se sacrificam para dar essa oportunidade e os homens não aproveitam pois acreditam que isso vai prejudicar a carreira deles. Isso torna a situação muito desigual.” 

Pereira também sugere um exercício prático: “Especialmente para os homens, perguntem para mulheres quais foram as dificuldades por ser mulher no mercado de trabalho que elas já viveram.” 

“O convite a homens e mulheres é treinar esse olhar para conseguir fazer a diferença e ser ativo na mudança”, diz Bruna Rosso. “Isso é o que mais pode transformar a realidade em que a gente vive.” 

Apesar de a agenda da diversidade de gênero já ter avançado dentro de muitas organizações, a roda de conversa promovida pela EloGroup deixou claro que há ainda muito chão a ser trilhado no sentido de criar um ambiente corporativo e empreendedor que promova a liderança feminina, e minimize barreiras históricas que ainda penalizam as mulheres.  

A criação de políticas institucionais internas que estabeleçam uma maior equidade, além do engajamento da liderança masculina com o aprendizado e a garantia de um ambiente seguro para as mulheres, foram alguns dos pontos destacados. No fim, o que se sobressai é a importância de um esforço coletivo, de mulheres e homens dentro das organizações, para que essa agenda continue a avançar, e assim possa ser estabelecido um ambiente corporativo e empreendedor mais diverso, plural, e produtivo para todos os stakeholders.  

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